A atriz Sarah Jessica Parker em cena da terceira temporada da série 'And Just Like That' -
Quando "Sex and the City" estreou, em junho de 1998, Bill Clinton era o presidente dos Estados Unidos e o escândalo do caso com Monica Lewinski já tinha começado a aparecer, mas ainda não atingido sua temperatura máxima. Mesmo assim, o mundo parecia muito em paz com o fato de que o homem mais poderoso do planeta à época era louco por sexo.
Não existia streaming, celulares eram coisa de gente rica e sair à noite ainda era a melhor maneira de conhecer pessoas e encontrar amigos. O canal a cabo HBO tinha um slogan pretensioso e instigante que aparecia antes de todos os programas —"it's not TV, it's HBO". Não é TV, é HBO.
Ou seja, ali ia aparecer algo novo, diferente. Melhor? No caso de "Sex and the City", sim, muito melhor. Pelo menos que qualquer outra série até então que se dispunha a revelar comportamentos de mulheres independentes naquele momento, em Nova York. Não tinha nenhuma outra, para falar a verdade.
As personagens de "Sex and the City" eram jovens, mas não jovenzinhas, com idade para saberem o que queriam da vida. Eram bem-sucedidas, solteiras, muito amigas, cheias de defeitos e vícios e, juntas, desbravaram o estranho mundo dos romances da cidade, sem aquela velha fixação de encontrar um par perfeito que as pedisse em casamento e pronto, final feliz.
Elas falavam abertamente sobre tudo uma com a outra, se julgavam também, riam uma da outra, mas, em suma, estavam juntas na vida. Não eram quatro solteironas amargas com medo de morrerem sozinhas.
E isso tudo era inédito na TV. E era bom —roteiro, diálogos, personagens, atrizes principais e atores coadjuvantes, figurino, cenário com locações verdadeiras. Havia revelações de comportamentos de homens e mulheres solteiros que eram destrinchados pelos episódios semanais, e quem via, aprendia com a série.
Foi em "Sex and the City" que descobri que existia um tipo de homem que só transava com modelo, não porque tinha tara em mulheres muito magras e altas, mas porque era também uma forma de exibir seu poder.
Foi com Carrie, Miranda, Charlotte e Samantha que aprendi que dava para tirar sarro sem culpa das pobres coitadas que tinham pressa para casar cedo e ter filhos antes dos 30 anos. E que, fora as amigas mulheres, eram os homens gays as melhores companhias para todas as situações em que o sexo não estava em jogo.
Era o retrato de um nicho, feito sob medida para ser visto por outro nicho. Mas isso nunca foi um drama. Ou melhor, só passou a ser um drama bem mais para frente.
O sucesso fez aquele programa boutique, se é que dá para chamar assim, se transformar em uma coisa tipo a marca de roupas Zara, que tem no mundo todo, todo mundo usa, quase todo mundo põe defeito mas ninguém é louco de fingir que não existe.
Aí, pronto, algo se perdeu na transformação daquela turma de gente "gauche" em personagens do mainstream. As quatro personagens da série viraram arquétipos, adjetivos. Ou você era uma Carrie, romântica e reflexiva, ou uma Charlotte, tradicional e idealista, ou uma Miranda, pragmática e desbocada, ou uma Samantha, libidinosa e com dez de autoestima.
E, como uma grande corporação, "Sex and the City" nunca mais parou de produzir projetos paralelos. Inúmeros livros —até eu arrisquei—, turismo em Manhattan, dois longas-metragens e infinitas cópias e programas baseados na dinâmica das quatro mulheres.
"And Just Like That", a série que estreou em 2021 e terminou nesta quinta, com o 12º episódio da terceira temporada, é apenas um spin-off que já nasceu capenga, sem uma das personagens principais, Samantha, cuja intérprete nunca superou uma briga de bastidores —ou de salário, ou sabe-se lá o que aconteceu com Kim Cattrall, a atriz que a interpretou nos 94 episódios da série original.
O problema de "And Just Like That" foi justamente tentar reviver aquela chama nostálgica consertando os problemas do passado, e aí, em vez de um reencontro de velhos conhecidos em novas situações, virou uma colcha de retalhos de boas intenções, que só fez diluir o sabor daquele caldo.
O cenário cultural de 2021 era muito diferente do de 1998, mas ninguém esperava que a continuação de uma série de TV precisasse abraçar todas as causas contemporâneas. Ninguém deu essa tarefa a Darren Star ou a Michael Patrick King, os criadores do seriado original.
Essa é uma lição de casa impossível: reunir os espectadores, um número infinitamente maior e mais reativo, a personagens construídos em outro universo, agora com mais de 50 anos, e ainda provar que aquelas pessoas têm lugar em um mundo amplo, diverso e mais complexo. O planeta todo, com os 8 bilhões de humanos que vivem nele, virou o público alvo.
E todo mundo se perdeu nesse processo. As três personagens remanescentes fingiam intimidade com novos pronomes e orientações sexuais, assim como com pessoas racializadas que passaram a frequentar o grupo como se aquele tipo de amizade fosse algo fácil de se fazer depois de certa fase na vida.
E o que dizer dos textos de Carrie, que em "Sex and the City" eram a coluna vertebral de cada episódio? Ela era uma colunista especializada em comportamento, especificamente em relacionamentos entre jovens adultos de Nova York. Não em todo tipo de ser vivo que coabita a Terra.
O ponto de partida de "Sex and the City" ficou tão para trás que a protagonista passou a escrever ficção. E não só isso, mas uma ficção que se passa no século 19. Ruim de dar dó. Se só esse fato não basta para ilustrar o quanto há algo fora de lugar em "And Just Like That". Não sei mais como argumentar.
Mas, assim como caducou o slogan do canal que produziu e exibiu a série —que mudou tantas vezes de nome que já desisti de acompanhar— no final de tudo, desta vez, não teve a promessa de ser algo além de um programa de TV. "It's just TV."

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