quarta-feira, 30 de julho de 2025

Homenageado na Flip 2025, Paulo Leminski tem obra em prosa revisitada com lançamento de livro de contos

 

                                              Foto: Divulgação




Erudito, popular, metalinguístico, irreverente... “Gozo fabuloso”, única coletânea de contos de Paulo Leminski, revela facetas literárias que os fãs do escritor curitibano vão reconhecer de imediato. O livro, que retorna às livrarias em nova edição após décadas dado como perdido, é uma ótima porta de entrada para uma expressão menos conhecida do autor homenageado da 23ª Festa Literária Internacional de Paraty (Flip 2025): a prosa.


Morto em 1989, com apenas 44 anos, Leminski é celebrado sobretudo por seus versos. Sua figura ganhou nova projeção entre jovens leitores com o estrondoso sucesso de “Toda poesia”, lançado em 2013, que reuniu sua produção poética completa em um volume só. A coletânea se tornou um fenômeno editorial e ajudou a aproximar uma nova geração da poesia brasileira.


Mas o curitibano também foi um prosador de mão cheia. Sua ficção é tão saborosa e pulsante quanto seus poemas. A homenagem na Flip, somada ao relançamento de “Gozo fabuloso”, é uma chance de revisitar esse lado menos explorado de sua obra. O lançamento acontece na sexta-feira (1/8), às 20h, na Livraria das Marés, em Paraty, com um bate-papo entre Aurea e Estrela Leminski, as duas filhas do escritor paranaense.


— Paulo escrevia prosa com a cabeça de poeta, pelo menos no que diz respeito à experimentação — diz Alice Ruiz, ex-mulher do autor e guardiã de sua obra. — A homenagem da Flip chamará a atenção para todas as facetas da obra dele. E eu torço para que essa nova edição de “Gozo fabuloso”, até por acontecer durante a Flip, tenha a merecida repercussão.



“Gozo fabuloso” é um título singular na obra de Leminski. Como conta Alice Ruiz no prefácio da nova edição, o autor considerava o conto um gênero “menor” no início da carreira — chegou até a protestar contra a supervalorização das narrativas curtas em concursos literários, empunhando um cartaz onde se lia “O conto é o novo soneto”.


Com o tempo, porém, decidiu experimentar o que antes renegava. Publicou vários contos, crônicas e textos esparsos pela imprensa, sempre no mais puro estilo leminskiano, com jogos de linguagem, humor filosófico, paródias de gênero e uma irresistível pegada pop.


Muitos desses textos são reflexões sobre a própria escrita, como “Já era uma vez”, por exemplo: ele desconstrói a ideia de fábula com uma fábula. Já “Sintomas” apresenta um poeta que procura um médico porque acredita estar sofrendo de poesia.


Obra-prima encalhada

Depois da morte do autor, esse material foi reunido para uma edição póstuma, que acabou engavetada. Os originais se perderam por décadas, até serem reencontrados por Alice durante uma mudança, em 2004.


— Paulo não mudou de ideia (sobre o conto), apenas quis experimentar mais um gênero literário, e assim gabaritou todos eles — diz Alice.


Para a editora da nova edição do livro, Luisa Tieppo, “Gozo fabuloso” é como “descobrir um disco novo da sua banda favorita”.


— Encontramos nesses 40 contos uma diversidade temática que atende a quase todos os gostos, bem como aquela leveza bem-humorada e o trabalho com a linguagem que já conhecemos da obra poética de Leminski — diz ela.


A má vontade inicial de Leminski com o conto nada tinha a ver com a prosa de modo geral, vale ressaltar. Seu trabalho mais ambicioso — e, para muitos, a sua obra-prima — é “Catatau”, classificado pelo próprio autor como um “romance-ideia”. Publicado há 50 anos, o livro imagina o filósofo René Descartes (1596-1650) acompanhando a Missão Holandesa ao Brasil no século XVII.


A viagem, que nunca aconteceu na vida real, serve de desculpa para uma explosão linguística em que Descartes, perdido na selva, vê seu racionalismo dissolver-se sob os efeitos dos alucinógenos tropicais. Desmontando a lógica cartesiana com o perspectivismo ameríndio, Leminski carnavaliza o pensamento ocidental.


Após anos de gestação, “Catatau” não teve a recepção esperada, e boa parte dos dois mil exemplares da primeira edição encalharam e acabaram voltando para o autor.


— Ao contrário da poesia do Leminski, que é totalmente imediata, “Catatau” é um livro muito enigmático e difícil — avalia Ana Lima Cecilio, curadora da Flip. — Minha teoria é que, depois da decepção com a recepção de seu primeiro livro, ele percebeu que, para falar com as multidões, era preciso fazer algo diferente, mais pop. E a poesia era o melhor caminho para isso.


Tributo só como ‘norte’

Logo em seguida Leminski publica o livro de poemas “Caprichos e relaxos”, que mantinha um pouco da erudição de “Catatau”, mas num formato mais... relaxado. Seu romance seguinte, “Agora é que são elas”, também segue uma linha mais pop.


A princípio, a programação da Flip deste ano não parece repercutir diretamente a obra de Leminski. Ana Lima Cecilio, porém, explica que o autor homenageado serviu como um “norte” para a curadoria do evento, especialmente na mistura de gêneros. Assim como o escritor curitibano, convidados como os poetas paulistas Fabrício Corsaletti e Lilian Sais, a argentina María Negroni e a mexicana Cristina Rivera Garza também trabalham com misturas de gêneros, borrando as fronteiras entre a crônica, a não ficção e a poesia.


— A Flip olha para o autor de forma global — diz a curadora. — E, no caso do Leminski, que é muito equilibrado entre poesia e prosa, isso se dá com bastante força.


Ainda assim, ela ressalta que o espaço de discussão mais profundo sobre o autor não acontece mais na Flip em si, mas sim no Ciclo do Autor Homenageado, que aconteceu no Sesc São Paulo em meados de julho. E algumas das mesas abordaram a obra em prosa de Leminski, incluindo um bate-papo exclusivo sobre “Catatau” com Alice Ruiz e José Miguel Wisnik.


— Acho que a Flip ajuda a abrir espaço para que o público olhe também para a prosa — diz Cecilio. — Cultural e mercadologicamente, creio que é um momento bom para isso.


Por 

 — Paraty (RJ)

O Globo

Nenhum comentário: