FOLHAPRESS
O medo de esbarrar nas vedações da lei eleitoral levou o presidente Jair Bolsonaro (PL) nesta sexta-feira (7) a recuar e vetar integralmente o projeto de lei que abriria uma renegociação de dívidas (Refis) com empresas do Simples Nacional e MEIs (microempreendedores individuais).
A jurisprudência do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) é controversa sobre o tema, e a equipe jurídica aconselhou o presidente a não arriscar ficar inelegível no ano em que buscará novo mandato.
O veto, porém, causou irritação no Congresso Nacional, que já articula a sua derrubada.
Oficialmente, a justificativa do governo para barrar a lei foi a ausência de previsão da renúncia fiscal no Orçamento de 2022, bem como de medidas de compensação --como aumento de tributos. Trata-se de uma exigência da LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal).
O Ministério da Economia de fato apontou esses obstáculos técnicos, mas Bolsonaro chegou a sinalizar em sua live que buscaria uma solução para o impasse fiscal.
Os técnicos da área econômica apontaram as saídas para compensar a renúncia, que seria de apenas R$ 200 milhões em 2022 com a adoção de um veto parcial, para excluir apenas empresas que tiveram ganho de faturamento mesmo com a crise.
Na última hora, porém, o presidente foi advertido do risco de violar a lei eleitoral, segundo relataram à reportagem interlocutores do Palácio do Planalto e do Ministério da Economia.
O parágrafo 10º do artigo 73 da lei diz que, no ano das eleições, é proibida a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da administração pública, exceto em casos de calamidade, emergência ou de programas que já estejam em execução.
O entendimento da área jurídica do governo foi o de que a implementação de um novo Refis em ano eleitoral poderia se enquadrar no dispositivo, abrindo margem a questionamentos legais.
Na visão de fontes do governo, caso a tese prevaleça, isso poderia inviabilizar até mesmo o Refis de grandes empresas, que ainda será apreciado pelo Congresso Nacional neste ano.
Nas reuniões sobre o tema que ocorreram na noite de quinta-feira (6), foi citado um voto do ex-ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Marco Aurélio Mello. Em 2011, um julgamento relatado pelo ministro no TSE apontou que a concessão de benefício por meio de Refis em ano de eleições violava a lei.
"Respondo à consulta consignando não só a impossibilidade e implemento de benefício tributário previsto em lei no ano das eleições como também de encaminhamento de lei com essa finalidade em tal período", disse o relatório da época.
Em 2015, outro julgamento da corte eleitoral apontou que a violação ou não da lei eleitoral depende do caso concreto. Já em 2018, uma decisão do TSE afastou a incidência do artigo que proíbe concessão de benefícios em um julgamento sobre Refis no estado da Paraíba.
Segundo um técnico ouvido pela reportagem, como há uma incerteza e insegurança jurídica ainda em relação ao tema, não seria apropriado cravar isso na justificativa do veto. No entanto, a discussão eleitoral foi o que motivou a mudança de última hora na decisão de Bolsonaro.
A avaliação nos bastidores é que o melhor seria adotar uma postura conservadora, para evitar dor de cabeça futura. Apesar disso, o tema não é consenso sequer entre os técnicos do governo.
Há quem avalie que o Refis não se enquadra no caso da lei eleitoral porque não se trata de uma distribuição gratuita --as empresas fazem um pagamento inicial para ingressar no programa.
O veto causou insatisfação no Congresso Nacional, onde lideranças já articulam a sua derrubada. Parlamentares apontam que o governo teve participação na elaboração do projeto e também ao longo da tramitação.
A proposta é de autoria do senador Jorginho Mello (PL-SC), que é vice-líder do governo no Congresso. O relator do projeto no Senado foi o então líder do governo na Casa, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE) --que deixou o posto em dezembro.
Lideranças do governo afirmam que o presidente se viu obrigado a vetar a proposta, mas que há espaço para negociar uma solução que beneficie essas empresas.
"O presidente ficou impedido de sancionar, mas não de negociar. Pode ser feito um esforço para liberar essa questão em outras condições", afirma o líder do governo no Congresso, Eduardo Gomes (MDB-TO).
"A mesma energia que vai ser destinada para derrubar o veto pode ser usada para se buscar um acordo", diz.
A iniciativa para a derrubada começou ainda nesta sexta-feira (7), instantes após o veto. Uma liderança partidária governista aponta que houve uma "lambança" por parte do governo, que teria deixado de sancionar o projeto de lei até 31 de dezembro, o que evitaria o temor de crime eleitoral.
Mesmo trabalhando pela derrubada do veto, os parlamentares apontam que ele pode ser tardio, uma vez que aconteceria apenas após o fim do recesso parlamentar, em fevereiro. Eles apontam que o prazo para empresas optarem pelo regime do Simples Nacional termina em 31 de janeiro, e muitas não poderão fazer a opção por terem débitos tributários.
"O governo inicia o ano com uma ducha de água gelada nas pequenas e médias empresas, condenando milhares ao fechamento agora no dia 30 de janeiro", afirma o deputado federal Marco Bertaiolli (PSD-SP), que foi relator do projeto na Câmara dos Deputados e é coordenador-geral da Frente Parlamentar do Empreendedorismo.
"Trata-se de um projeto aprovado em sintonia com o governo, com a equipe econômica. É inadmissível romper um acordo feito em dezembro e propor esse veto integral", completou.
Interlocutores no Ministério da Economia afirmam que uma possível solução para amenizar os efeitos do veto é prorrogar o prazo para a inscrição do pedido de parcelamento de dívidas, para evitar que as devedoras sejam excluídas do Simples.
Um prazo maior --auxiliares falam em 30 de maio-- daria tempo para que Congresso e governo tentassem encontrar uma saída para o imbróglio criado.
Caso o Congresso derrube o veto, fontes da área econômica afirmam que será necessário compensar o impacto do projeto. A renúncia total é estimada em R$ 600 milhões, considerando o restabelecimento do texto integral. Ainda não há consenso sobre como ficaria a questão eleitoral.
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