Por Agência Brasil
Pesquisadores defenderam hoje (8) a quebra temporária de patente de vacinas contra a covid-19 para ampliar o acesso da população aos imunizantes. Durante Comissão Geral da Câmara dos Deputados para debater o tema, eles cobraram um posicionamento do Brasil em relação à quebra de patentes que vem sendo debatida tanto na Organização Mundial do Comércio (OMC) quanto na Organização Mundial da Saúde (OMS).
Em outubro do ano passado, a Índia e a África do Sul levaram à OMC uma proposta de suspensão das patentes de produtos de combate ao novo coronavírus. A proposta foi apoiada por mais de 100 países. Países desenvolvidos, como os EUA, Reino Unido, Suíça, Noruega, Japão, além de países da União Europeia, são contra a medida. O Brasil, contudo, não se posicionou a favor da quebra de patentes dos imunizantes.
O pesquisador sênior da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) Jorge Bermudez defendeu que o Brasil deve apoiar a quebra temporária de patentes e classificou como um “apartheid” na saúde, a dificuldade dos países mais pobres terem acesso a imunizantes.
“A suspensão temporária proposta na OMC, que tem mais de 100 países apoiando, merece e precisa do apoio incondicional do Brasil, que deve atuar no resgate de sua história de liderança em questões de direitos humanos e acesso universal à tecnologia”, defendeu. “Uma situação emergencial como essa da pandemia precisa também de soluções emergenciais”, acrescentou.
O médico pneumologista Alfredo Leite disse que a maior parte das vacinas produzidas no mundo estão indo para os países desenvolvidos, deixando países em desenvolvimento e pobres bem atrás na fila de vacinação.
“Tudo indica que a imunidade de rebanho será alcançada quando tivermos 70% a 85% da população vacinada. Se mantivermos esse ritmo de vacinação, isso só vai acontecer em nível global daqui a três ou quatro anos”, afirmou.
O coordenador do Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz, Carlos Gadelha, defendeu que a quebra patentária incentiva a formação de um parque produtor de medicamentos no país. Gadelha lembrou que, atualmente, o Brasil importa 90% dos insumos farmacêuticos, como remédios e vacinas; 80% de equipamento como sensores e componentes, no caso dos ventiladores pulmonares usados no tratamento da covid-19; além de 60% dos equipamentos de proteção individual para proteger os profissionais de saúde.
“A saúde, nesse contexto, tem que ser vista como bem público global. O interesse econômico não pode se sobrepor à saúde pública e à vida. Nesse sentido, é importante a suspensão temporária”, disse.
A professora da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Eloísa Machado lembrou que a legislação brasileira já prevê a possibilidade de quebra de patentes, em casos de emergência nacional e de interesse público. Para a professora há razões políticas e humanitárias para a flexibilização das patentes.
“Se o que está passando agora não for razão suficiente para se acessar esse tipo de flexibilidade, essa legislação vai se tornar letra morta. Não há emergência maior do que esta que estamos passando agora e é preciso, desde já, que se dê o primeiro passo”, afirmou.
Governo
Representantes do governo também se posicionaram sobre o tema na Comissão Geral. Para o secretário de Comércio Exterior e Assuntos Econômicos do Ministério das Relações Exteriores (MRE), Sarquis José, o Brasil tem adotado, nos diferentes foros internacionais, um papel conciliador de “construtor de pontes” sobre os diferentes entendimentos acerca do acesso universal a vacinas, “que seja factível para todos”.
Segundo Sarquis, o problema não está na quebra das patentes, mas em gargalos na produção, distribuição e no acesso de vacinas, ingredientes farmacêuticos ativos (IFA’s) e outros insumos. O representante do MRE disse que é necessário, “globalmente e no Brasil” aumentar a capacidade de produção desses produtos.
“A quebra de patentes não parece ter resultados no curto prazo, pois não diz respeito somente a esses problemas logísticos e de capacidade, mas também a problemas de engenharia reversa para produzir essas vacinas, sobretudo as de nova geração”, afirmou.
Sarquis argumentou ainda que a medida poderia gerar insegurança jurídica ao país e que também poderia trazer problemas de importação de vacina para o Brasil.
“A suspensão de direitos de patentes, muito além da licença compulsória, resultaria em riscos não desprezíveis. Além da insegurança jurídica que traz, poderia comprometer a importação de vacinas e de novos investimentos futuros em pesquisa e desenvolvimento”, afirmou.
O secretário de Advocacia, Concorrência e Competitividade da secretaria Especial de Produtividade, Emprego e Competitividade do Ministério da Economia, Geanluca Lorenzon, também se posicionou contra a flexibilização temporária, que classificou como “caminho fácil”
“Por que sempre o país busca a solução que nenhum país do mundo buscou? Nenhum país do mundo quebrou unilateralmente a patente de vacinas contra a covid-19. Nem a Índia e a China, que produzem os insumos de vacinas, não quebraram as patentes e por que o país que não pode produzir vai fazer isso?”, questionou.
Já o diretor regional da Organização Mundial da Propriedade Intelectual (Ompi) no Rio de Janeiro, José Graça Aranha, disse que o debate tem que ser feito com equilíbrio e respeito ao Direito: “o tema não deve ser banalizado. Caso seja, criará, sim, insegurança jurídica e afugentará o investidor”.
Projetos
Diversos projetos na Câmara tratam da quebra de patentes, também chamada de licença compulsória. Ontem (7), o Senado chegou a pautar um projeto que estabelece a quebra temporária de patente de vacinas, testes de diagnóstico e medicamentos de eficácia comprovada contra a covid-19, enquanto vigorar o estado de emergência de saúde em razão da pandemia, mas o texto foi retirado da pauta.
Para o presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara, Aécio Neves (PSDB-MG), o Congresso Nacional tem o dever de agir para evitar o colapso da saúde e os problemas na economia, como o desemprego, causados pela pandemia.
“O Brasil poderá utilizar a licença compulsória para permitir que as vacinas sejam aplicadas rapidamente na população”, disse. “Temos capacidade industrial pública e privada que pode ser adaptada para implementar essa produção de vacinas”, afirmou.
Neves, que presidiu o debate, lembrou ainda que os países desenvolvidos já adquiriram, por contrato, seis bilhões de doses de vacinas e que os países em desenvolvimento, como o Brasil, só conseguiram adquirir 2,6 bilhões de doses. Segundo o deputado, países que não estão realizando a vacinação em massa com rapidez, como o Brasil, tem potencial para se transformarem em “berçários” de novas variantes do vírus.
“A moratória [das patentes] trará agilidade para que fabricantes nacionais em diferentes partes do mundo possam atuar”, disse. Trata-se de uma medida temporária que visa permitir o aumento da oferta de produtos para enfrentar a pandemia”, acrescentou.
A deputada Alice Portugal, uma das autoras do requerimento para o debate, disse que as discussões sobre a quebra de patentes deve ser colocado sob a perspectiva de salvar vidas. Para a deputada, o lucro das empresas com a venda de vacinas não pode se sobrepor à vida das pessoas.
“É preciso que toda a tecnologia e a propriedade intelectual para a produção de vacinas seja compartilhada com o consorcio da OMS [Covax Facility]. Além disso, para adicionar mais pressão sobre as empresas farmacêuticas, é preciso que os governos façam todo o possível para que as vacinas se tornem um bem público em defesa da humanidade”, afirmou.
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