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sexta-feira, 23 de agosto de 2019
Filme : Uma Noite Não é Nada
Uma noite não é nada, de Alain Fresnot, se passa em meados dos anos de 1980 e sua mentalidade está também situada nessa época. Não que seja uma nostalgia saudável, uma saudade de uma época. O que se tem aqui é algo regressivo e doentio que romantiza abuso sexual, HIV e até sequestro de cachorro.
O protagonista é Agostinho (Paulo Betti), professor de física decadente de um supletivo noturno, que se interessa por uma aluna Márcia (Luiza Braga), e tenta seduzi-la. Ela não oferece muita resistência, e nem estranha o comportamento do mestre, quando ele aparece na sala de seu apartamento – cujo endereço ele nem sabia, mas ela nem liga esse detalhe. Logo os dois estão envolvidos num relacionamento doentio – com direito a se atracarem na saída da escola, sem que ninguém dê muita bola.
Por mais que Agostinho queira – e por mais que Márcia pareça uma pessoa aberta ao sexo –, a relação nunca se consuma. Até que ela confessa: além de viciada em drogas, também é portadora de HIV. Isso, no meados dos anos de 1980, quando essa condição era ainda mais assustadora. Enfim, o professor está disposto a sacrifícios e atos escabrosos.
A certa altura, quando encontra Márcia desfalecida e seminua em sua cama, após injetar alguma droga, ele não hesita em abusar sexualmente da aluna – embora o filme não veja isso como um crime. Há uma assustadora romantização de todo o acontecimento. Agostinho faz isso por amor, um amor que a moça lhe nega. Não que filmes, livros e afins não devam tratar do assunto, mas lidar com um estupro da forma como é feita aqui, é aviltante. Numa era em que cada vez mais se fala sobre isso, e acontecimentos de décadas atrás vêm à tona, Uma noite não é nada relativiza a agressão dando-lhe o tom de algo apaixonado.
Mais tarde, já tomado por seu “amor” - ao menos o que o filme chama de amor - doentio, Agostinho se injeta com uma seringa usada por Márcia, com a finalidade de contrair o HIV dela. E ele se torna um personagem que faz cada vez menos sentido.
Seguindo na mesma linha regressiva que domina a narrativa, o longa coloca a mulher de Agostinho, Januária (Claudia Mello), disposta a se sacrificar pelo marido que, um ano depois de se injetar, está doente. E, mesmo quando a filha, Júlia (Fernanda Vianna), sugere que a mãe faça um teste de HIV, a mulher se recusa. Isso nos anos de 1980! Mas não se recusa, porém, a sair do lado do marido, cada vez mais doente, até chegar ao hospital. Os sacrifícios a que essa mulher se submete são inacreditáveis – assim como a personagem. Por mais que Mello seja uma atriz talentosa, é completamente maltratada pelo filme, que a deixa praticamente sem qualquer dignidade.
Há também tentativas de humor canhestras, como o nome dos personagens que se referem aos meses do ano – Abril, marido de Júlia, é interpretado pelo uruguaio Daniel Hendler –, ou quando Agostinho invade salas de aula em busca de Márcia e, em todas elas, está o mesmo aluno com a mão levantada para fazer uma pergunta. Se são elementos simbólicos dentro o filme, se perdem sem qualquer sentido, assim como a fotografia do experiente Pedro Farkas, que transita entre um colorido pálido e o preto-e-branco sem muito motivo para isso.
Qualquer filme ou livro que coloque um homem mais velho perseguindo uma jovenzinha remete sempre ao romance Lolita, de Vladimir Nabokov. O que poucos parecem ser capazes de se dar conta é que, no original, este homem é ridicularizado do começo ao fim. Ele não é herói. Os produtos subderivados dessa história parecem comprar o personagem pelo valor que ele se vende, e aí começam os problemas. Uma noite não é nada eleva essa figura ao status de mártir – o que diz muito sobre a visão de mundo do filme.
Alysson Oliveira
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