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Rainhas do crime é tudo aquilo que filmes sobre mulheres e feminismo gostariam de ser. Tem três grandes atrizes nos papéis centrais, com personagens bem construídas que fogem de simplismos rasos ou lições edificantes. Ajuda o fato de ser escrito e dirigido por uma mulher, a estreante Andrea Berloff (roteirista de filmes como Straight Outta Compton: A História do N.W.A.), e baseado na HQ de outras duas, Ollie Masters e Ming Doyle.
O título nacional já entrega parte do filme, retirando a delicada dubiedade do original, The Kitchen – que tanto se refere ao bairro de Nova York onde a maior parte da trama se passa, Hell’s Kitchen, mas também à cozinha, local, até muito tempo atrás, aonde as mulheres deviam ficar confinadas, portanto, um cômodo sempre associado ao feminino. Mas os tempos mudaram e, ao situar o longa nos anos de 1970, a diretora traz consigo as ondas do feminismo daquela década e os ventos da mudança, especialmente ao colocar as protagonistas num lugar tipicamente masculino: no comando de uma máfia.
O grande acerto de Rainhas do crime – fora a escolha do elenco – está em contar a ascensão desse trio ao topo do poder. Kathy (Melissa McCarthy) é mãe de dois filhos, dona de casa, que precisa arrumar um emprego depois que seu marido (Brian d'Arcy James) é preso num assalto que dá errado. Claire (Elisabeth Moss), por sua vez, não deixa de sentir um alívio quando o marido abusivo (Jeremy Bobb) é preso no mesmo assalto; e, por fim, Ruby (Tiffany Haddish) terá de lidar com a sogra mesquinha (Margo Martindale) depois da prisão do filho dela (James Badge Dale).
O chefão da máfia local, Little Jackie (Myk Watford), promete cuidar delas enquanto os cônjuges comprem pena, mas o dinheiro que ele dá para cada uma mal dá para pagar o aluguel. Meio que sem querer, elas acabam formando seu próprio negócio de proteção às lojas do bairro, prometendo e cumprindo mais do que a máfia oficial. A subida ao topo do poder, obviamente, deixa alguns cadáveres pelo caminho e, para isso, passam a contar com a ajuda de um veterano de guerra e psicopata apaixonado por Claire, Gabriel (Domhnall Gleeson).
Berloff impressiona na direção, fazendo um filme de gângster que nunca aspira ser um Martin Scorsese – como todo filme do gênero parece querer. Ela faz seu filme, que, como não podia deixar de ser, tem alguns elementos típicos do gênero, mas que nunca parecem embebidos nos clichês. A narrativa é construída com segurança, trazendo à tona problemas que nunca parecem afetar os mafiosos do cinema: como cobrar seus protegidos e, ainda assim, chegar a tempo de pegar os filhos na escola? Esse é um mundo cruel, e as protagonistas precisam ter o dobro de cuidado que os gângsteres homens. Nenhuma novidade: elas são mulheres (independente da profissão) vivendo num mundo machocêntrico, por isso sempre foi preciso tomar cuidado.
Mas não é apenas na questão feminina que Berloff e seu filme tocam. Ruby é uma afroamericana e, para ela, é ainda mais difícil do que para as duas colegas. Assim, Rainhas do crime toca em temas complexos sem precisar fazer proselitismos. Seu comentário é sutil, por isso mesmo, eficiente. É um longa que coloca ao centro questões sociais, sem deixar de ser também um filme-pipoca.
Alysson Oliveira
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