quinta-feira, 6 de abril de 2017

Enfim, o Brasil tem uma base curricular nacional

                                          Brasil terá currículo escolar unificado (Thinkstock/VEJA/VEJA)

O documento, divulgado hoje pelo MEC, é a chance de começar a tirar o país do fundo do poço da educação

Veja

Quase três décadas se passaram desde que o Brasil ingressou – já com atraso histórico – no debate sobre a implantação de um conjunto único de objetivos para a sala de aula. Mas era só a palavra currículo soar em ambientes da academia brasileira para ser rechaçada com toda a fúria: um roteiro para o professor sempre foi visto como camisa-de-força à liberdade de ensinar. Além disso, um documento que valesse para o país inteiro aniquilaria a possibilidade de se considerar as diferenças regionais na escola. Pois nesta quinta-feira, depois de muito debate, consulta, opinião e revisão, a primeira Base Nacional Comum Curricular (BNCC) brasileira foi anunciada pelo Ministério da Educação (MEC) e estará em pleno vigor em 2019. Uma chance, se bem aproveitada, de o país sair da zona do mau ensino.


Por que uma “base curricular” e não simplesmente um “currículo”? Há diferenças. A base é um documento que diz o que ensinar, matéria a matéria, ano a ano. Estabelece, portanto, metas bem precisas para a sala de aula, mas dá espaço a cada escola ou rede de ensino para chegar lá pelo método que julgar melhor. Em resumo, dita o que transmitir aos alunos, mas não determina como – este, sim, o objetivo do currículo, que caberá às escolas particulares e às redes estaduais e municipais organizar ou reorganizar (no caso daquelas que já têm um).

A base implicará em verdadeira reviravolta na escola e na vida do aluno. Os professores terão de ser treinados, os livros didáticos precisarão ser reescritos tendo a base como espelho e as avaliações oficiais, todas elas, se adequarão aos novos objetivos escolares. Objetivo escolar, aliás, é um conceito elementar que, sem uma base, sempre foi definido pelo próprio professor, segundo suas convicções, ou pelo livro didático, segundo as convicções de seus autores, ou ainda de acordo com a exigência dos exames aos quais os alunos são submetidos. Agora, não. As escolas precisam seguir o roteiro do MEC. Bom para os pais, que podem usar o documento para saber exatamente o que esperar de seu filho naquele ano – e cobrar quando preciso.

O documento trazido a público pelo MEC já é a terceira versão – e última. Vale para o ensino infantil e fundamental; a base do ensino médio deve sair no segundo semestre. É, não há dúvida, uma evolução em relação às duas versões que a antecederam. Apresentadas entre outubro de 2015 e março de 2016, continham excessos de um lado e faltas de outro. Em português, por exemplo, não havia na primeira versão uma única menção à gramática. Em matemática, 40% do conteúdo eram reservados a “abordagens regionais”. A disciplina de história restringia-se ao Brasil e à África, praticamente, deixando de lado temas como Grécia Antiga, Renascimento e Revolução Francesa. Também carecia de uma progressão clara de um ano para outro. Era, em suma, um amontoado de conteúdos.

A versão que vingou corrigiu grande parte dessas falhas. Especialistas ouvidos por VEJA pontuaram duas questões que podem ser aprimoradas: falta uma descrição mais objetiva da evolução do aluno na fase de alfabetização, ano a ano, e explicar como a tecnologia entra efetivamente no ensino – o item é mencionado, mas ainda de forma vaga diante de seu potencial de alavancar o aprendizado. “Este é um documento vivo, que pode e deve ser mexido e aprimorado ao longo do tempo, como ocorre em outros países”, diz a secretária executiva do ministério, Maria Helena Guimarães.

No geral, a base tem ambições de aprendizado que não deixam o Brasil atrás de outros países. “Desta vez, o MEC fez a lição de casa. O novo currículo está bem próximo dos padrões internacionais”, afirma a pesquisadora Ilona Becskehazy, que integrou a equipe de avaliadores das outras versões. Um de seus méritos é ser específico não só em relação às disciplinas, mas também no desenvolvimento de competências tão em alta, como raciocínio lógico, capacidade de análise e pensamento científico. Agora, o documento passará às mãos do Conselho Nacional de Educação, que deve bater o derradeiro martelo até o final do ano. Depois de tanto debate, tudo indica que ficará como está.

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