No último dia 08 de outubro foi publicado o Decreto 10.833, que promove alterações substanciais no regulamento da Lei 7.802/89, que dispõe sobre a pesquisa, a experimentação, a produção, a embalagem e rotulagem, o transporte, o armazenamento, a comercialização, a propaganda comercial, a utilização, a importação, a exportação, o destino final dos resíduos e embalagens, o registro, a classificação, o controle, a inspeção e a fiscalização de agrotóxicos, seus componentes e afins, e dá outras providências.
A Lei que regulamenta os defensivos agrícolas no Brasil foi publicada em 1989 (há mais de 30 anos). A sua primeira regulamentação ocorreu em 1990 com a Publicação do Decreto 98.816, revogado pelo Decreto 4.074, em 2002. Desde 2002, apenas duas alterações foram feitas na regulamentação: uma em 2006, com a publicação do Decreto 5.981 e a outra em 2009 com a publicação do Decreto 6.913, de modo que era urgente uma atualização desse regulamento para atender as inovações científicas e tecnológicas pelas quais passaram esses produtos.
Quando o tema é “agrotóxico”, muito se discute sobre, mas são poucos os que demonstram entender como funciona o processo de aprovação desses produtos e o que o antecede na prática: muitos anos de pesquisa científica, desenvolvida em parceria com universidades e em institutos de pesquisa públicos e privados em todo o mundo.
Modernizar a regulamentação de uma legislação com mais de 30 anos é uma medida salutar e necessária. E, nesse sentido, a publicação deste novo Decreto é bem-vinda. A grande maioria das alterações promovidas é positiva.
Entre as alterações positivas destacam-se: (i) a incorporação na regulamentação da Lei da atualização dos critérios científicos adotados para a avaliação, classificação toxicológica e comunicação de perigo, já estabelecidos pela ANVISA, nas Resoluções de Diretoria Colegiada 294, 295 e 296, publicadas em 31 de agosto de 2019; (ii) a modernização nos procedimentos de aprovação e alteração de registro; (iii) a criação de novas exigências para que o uso dessas substâncias seja mais seguro; e, ainda (iv) a prioridade de análise para os produtos novos.
Algumas alterações, contudo, merecem atenção e um aprofundamento nas discussões com a edição de normas infralegais, como ocorre, por exemplo, com as alterações dos prazos de avaliação ordinários e a ampliação da isenção de registros de produtos fitossanitários com uso aprovado para agricultura orgânica produzidos exclusivamente para uso próprio em sistemas convencionais de cultivo.
Incorporação de critérios científicos
Em agosto de 2019 a ANVISA publicou as RDCS 294, 295 e 296 (Novo Marco Regulatório) atualizando e tornando mais claros os critérios de avaliação e de classificação toxicológica dos defensivos agrícolas no Brasil. Essas resoluções também estabeleceram mudanças importantes na rotulagem, com a adoção do uso de informações, palavras de alerta e imagens (pictogramas) que facilitam a identificação de perigos à vida e à saúde humana.
As mudanças foram propostas com base nos padrões do Sistema Globalmente Harmonizado de Classificação e Rotulagem de Produtos Químicos (Globally Harmonized System of Classification and Labelling of Chemicals – GHS), consolidando a convergência regulatória internacional nessa área.
O Decreto 10.833/2021 é positivo na medida em que incorpora essas atualizações, implementando, ainda, no parágrafo 3° do artigo 31, a avaliação de risco na análise dos defensivos agrícolas.
Desde 2019, a avaliação do risco tem sido utilizada pela ANVISA na avaliação toxicológica desses produtos. Trata-se de uma ferramenta científica de sistematização das informações disponíveis para a tomada de decisão. Sua importância é reconhecida internacionalmente há muitos anos, sendo utilizada desde a década de 70 como ferramenta para a decisão regulatória por importantes agências como EPA e o FDA nos EUA e a EFSA na Europa. Uma vez que o risco associado à determinada substância química tenha sido avaliado, esta informação deve ser utilizada para determinar como melhor gerenciar e regular tal substância. A avaliação do risco objetiva identificar quais são os riscos possíveis no uso da substância. É com base nessa identificação que o órgão registrante terá condições de determinar o que é ou não aceitável.
A mudança adotada traz, portanto, maior segurança jurídica, maior conhecimento e segurança sobre os produtos utilizados.
Modernização dos processos de registro de defensivos agrícolas
O novo Decreto trouxe importantes alterações nos procedimentos adotados para o registro de defensivos agrícolas, que merecem destaque e comemoração:
a) A previsão para que produtos de uso agrícola possam ter recomendações para uso em ambientes hídricos, florestas nativas, outros ecossistemas e ambientes urbanos e industriais, desde que aprovadas pelos órgãos federais competentes;
b) A eliminação da duplicidade de análises documentais entre os órgãos responsáveis pelo controle e regulamentação de defensivos agrícolas no país (Anvisa, Ibama e Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento), mantendo o rigor técnico para avaliação desses produtos.
c) A permissão para uso de marcas comerciais diferentes para o mesmo registro, o que reduzirá o número de solicitações de registro de produtos com as mesmas especificações;
d) A redução do número de estudos de eficácia para o registro de produtos genéricos quando se tratar de produtos que contenham ingredientes ativos já registrados.
e) A simplificação para a pesquisa e experimentação com ingredientes ativos já registrados realizadas por empresa ou entidade de ensino, extensão e pesquisa ou por entidade credenciada;
f) A simplificação no registro de defensivos agrícolas destinados exclusivamente à exportação. De acordo com o novo Decreto não será mais necessário que esses produtos estejam registrados para uso no Brasil, mantendo-se a necessidade de que o ingrediente ativo e demais componentes estejam aprovados para uso no Brasil, o que torna mais atrativas plantas industriais de produção para exportação;
g) A possibilidade de os defensivos agrícolas serem prescritos com observância às recomendações oficiais aprovadas pelos órgãos de agricultura, de saúde e de meio ambiente, o que permitirá, por exemplo, que culturas com baixo suporte fitossanitário (minor crops) sejam beneficiadas;
h) A incorporação da regulamentação da logística reversa para a destinação correta de embalagens que contenham resíduos de defensivos agrícolas, seus componentes e afins, conforme as regras estabelecidas para embalagens vazias e sobras (art. 60-A), ação na qual o Brasil já é líder e modelo mundial; e
i) A implementação pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento do SIA - Sistema eletrônico de Informações de Agrotóxicos, já previsto no Decreto de 2002, mas ainda não foi implementado.
Segurança
Um dos principais avanços previstos na nova norma e que merece ser aplaudido refere-se à criação de registros de aplicadores de defensivos agrícolas, com a obrigatoriedade de treinamento para os profissionais aplicadores em campo. A medida é muito importante para aumentar a conscientização sobre riscos, bem como orientar a aplicação adequada visando à proteção do meio ambiente, à segurança alimentar e às melhores práticas para a saúde humana.
A partir do dia 31 de dezembro de 2026, os aplicadores de defensivos agrícolas somente poderão exercer essa atividade se realizarem o seu registro nos órgãos de agricultura dos Estados e do Distrito Federal, e para isso deverão possuir cursos de capacitação.
Ampliação dos prazos de avaliação
Outra importante alteração estabelecida por esse Decreto refere-se aos prazos de avaliação estabelecidos para pedidos apresentados após a publicação do novo Decreto. Houve um aumento considerável nos prazos de análise estabelecidos no Decreto 4.074/02
Antes, o prazo estabelecido era de 120 dias, mas esse prazo não era cumprido pelos órgãos, existindo produtos que aguardam a avaliação em fila há mais de 7 anos. A morosidade excessiva nas análises provocou a judicialização de diversos casos, na busca de uma análise mais célere e previsível.
O Novo Decreto passa a prever, a partir de agora, prazos diferenciados que irão variar entre 6 a 36 meses e que levarão em consideração critérios de complexidade técnica, inovações e priorizações, baseadas em riscos fitossanitários, competitividade, fabricação e formulação nacional.
Aliás, a adoção de prazos maiores de avaliação e a criação de categorias distintas (processos ordinários e prioritários) não parece ser a solução mais acertada para acabar com as longas filas de avaliação.
Com a previsão de critérios prioritários e ordinários será necessário estabelecer, em normas infralegais, critérios claros e transparentes para o enquadramento dos produtos nessas categorias.
Nesse ponto, portanto, devem ser adotadas soluções como aumento do número de servidores, estabelecimento de convênios com instituições públicas e aparelhamento dos órgãos de governo, pois somente assim os prazos estabelecidos serão cumpridos.
Dessa forma, para essas alterações, o que se espera com a ampliação dos prazos é que estes sejam efetivamente cumpridos e que as prioridades estabelecidas pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento atendam às necessidades da agricultura brasileira.
Isenção de Registro e Produção “on farm”
Outro ponto de atenção é a alteração prevista no parágrafo 8º, do artigo 10-D, que amplia a isenção de registro de produtos fitossanitários com uso aprovado para a agricultura orgânica produzidos exclusivamente para uso próprio, que até agora estava autorizada somente para sistemas de produção orgânica. O novo Decreto permite que essa isenção seja aplicada para utilização desses produtos também na agricultura convencional.
Para esse ponto, espera-se que os órgãos federais competentes publiquem uma regulamentação infralegal que estabeleça critérios claros e seguros de produção on farm, bem como uma previsão de fiscalização e controle, já que, ao contrário do que ocorre no sistema orgânico, não são certificados.
Enfim, uma avaliação criteriosa na nova proposta demonstra pontos positivos nas alterações efetuadas, que buscaram inserir na regulamentação da Lei 7.802/89 medidas já adotadas pelos órgãos avaliadores com base em normas infralegais, buscando uma regulamentação segura, eficaz, previsível e transparente. Algumas alterações, contudo, exigem atenção e regulamentação infralegal.
* Por Lidia Cristina dos Santos, membro do CCAS e advogada e sócia do escritório Figueiredo e Santos Sociedade de Advogados; José Otávio Menten, membro do CCAS e professor sênior da USP/ESALQ, Guilherme Guimarães, membro do CCAS e Consultor
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