Adaptando o romance autobiográfico de Massimo Gramellini, o drama italiano “Belos Sonhos” dialoga sobremaneira com a obra do próprio diretor Marco Bellocchio, especialmente com alguns pontos de seu filme de estreia, “De Punhos Cerrados” (65).
Mesmo não sendo um roteiro original Bellocchio, a história é povoada de pontos que são caros ao cineasta, que lida magnificamente com este mergulho na psique e na época de um jornalista, Massimo (adulto, interpretado por Valerio Mastandrea), traumatizado afetivamente pela morte precoce de sua mãe (Barbara Ronchi), quando ele tinha 9 anos.
Há um equilíbrio enorme na caracterização do personagem desde a infância, especialmente por conta dos dois ótimos atores que o interpretam nas fases mais jovens, Nicolò Cabras, quando menino, e Dario Dal Pero na adolescência. Um resultado, certamente, da intervenção de um diretor super-qualificado, capaz de extrair as diversas camadas do melodrama, ao qual não subtrai seu potencial emotivo, mas sem sucumbir a ele.
Bellocchio compõe com nuances e realismo as diversas fases na vida de Massimo, tirando um ótimo proveito de imagens da televisão da época (anos 1950/1960) não só para situar a história temporalmente, como para definir o papel que ela representa no imaginário do menino. Este se apega a uma heroína televisiva feiticeira, Belfagor – de quem sua mãe gostava -, para construir uma fantasia, um refúgio que lhe permite defender-se, não só da perda materna, como da frieza emocional do pai (Guido Caprino).
Além das inevitáveis passagens pelo catolicismo e o futebol, numa história ambientada em Turim, um outro tema nada desprezível relaciona-se com a profissão do protagonista. Há diversas situações em que Bellocchio injeta uma crítica ácida ao componente de manipulação das notícias – como quando o fotógrafo que acompanha Massimo na cobertura do conflito em Sarajevo, nos anos 1990, “Desperado” (Pier Giorgio Bellocchio), coloca dentro do quadro da foto de uma mulher morta também seu filho, que estava no quarto ao lado. É uma cena impactante, que expõe o sensacionalismo em seu mais alto grau.
Trata-se de um universo evidentemente muito masculino, em que o papel das mulheres é mais marginal – ainda que o centro da precariedade emocional do protagonista seja esta traumática morte precoce da mãe. Ainda assim, há participações femininas marcantes, como da francesa Emmanuele Devos, como a mãe de um amiguinho de Massimo, e Berenice Béjo, como uma médica que se torna seu interesse amoroso.
(Por Neusa Barbosa, do Cineweb)
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