G1
Dois de cada seis postos de trabalho ocupados por professores com título de doutor no país em 2014 eram mantidos por empresas ligadas à área da educação.
De acordo com os dados mais recentes levantados pelo Ministério da Educação (MEC), a rede privada tinha 32% dos 134.494 contratos com doutores no ensino superior.
O percentual é considerado baixo por especialistas da área de educação, sobretudo quando lembram que as empresas são responsáveis por 75% dos 7.828.013 alunos matriculados em cursos de graduação.
Entretanto o número mostra um avanço estatístico: em um período de dez anos os postos de trabalho ocupados por doutores na rede privada subiram de 21.909 para 43.531, uma alta de 98,6%. No mesmo período, o número de alunos matriculados subiu 88%.
Se considerado o total de cargos para professores universitários, a rede privada emprega mais da metade desses profissionais: 57%. Dos 383.386 postos, 220.273 eram oferecidos por empresas.
Neste contingente, o maior grupo é formado pelos 103.570 contratos de emprego para professores com título de mestre firmados com empresas. Eles representam 27% do total, seguidos dos 24% de contratos com doutores na rede pública e de 19% com especialistas na rede privada.
O diretor executivo da Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES), Sólon Caldas, avalia que o cenário é resultado de um conjunto de fatores que envolve baixa disponibilidade de mão de obra, legislação que não exige que faculdades privadas tenham mestres e doutores, além da influência do impacto da folha de pagamento no valor das mensalidades.
"No Brasil existe uma restrição (na oferta) da pós-graduação, levando o doutorado a ser mais concentrado no Sudeste. Esse fato faz com que não tenhamos profissionais formados em alguns doutorados para atender todas as instituições de ensino no pais", afirma.
A diretora do Andes (Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior), Olgaíses Cabral Maués, diz que a disponibilidade de mão de obra depende da área de concentração e não pode ser considerado regra. “Tem áreas que são mais deficientes, como artes, educação física e a área de saúde, por exemplo", comenta Maués.
Analista sênior da Capes e diretor científico da Fundação de Apoio à Pesquisa do Distrito Federal (FAPDF), o professor Manoel Santana Cardoso avalia que o total de pós-graduados cresce em ritmo constante e o Brasil terá, em 2020, cerca de 25 mil doutores formados por ano, compondo um contingente capaz de atender as redes de ensino, a burocracia administrativa (governos e órgãos públicos) e ainda as empresas que buscam inovação.
No momento atual, Cardoso aponta que a rede privada de ensino ainda tem uma visão estreita quando o tema é a produção de pesquisa e até mesmo a importância da absorção dos doutores em seus quadros.
"O salário de um mestre é menor que um salário de doutor. É comum, quando uma instituição (privada) entra em crise, a primeira coisa que ela faz é dispensar os doutores. Tem professores excelentes com mestrado, mas o doutor é que faz a diferença na vida do aluno", afirma.
O diretor da associação das empresas discorda do pesquisador nos dois pontos. Ele diz que o custo não é fator determinante, apesar de admitir que é considerado.
"Quem paga a universidade pública somos nós. Na privada, o professor é contratado por hora aula e quem paga é o aluno. Eu também não posso onerar muito o meu curso porque vai refletir na mensalidade para o aluno", afirma Caldas, defendendo que na maioria das vezes os mais pobres é que acabam indo para a rede privada, enquanto os mais ricos ocupam postos na rede públicas.
Além disso o porta-voz da ABMES nega que colocar mais doutores em sala de aula tenha efeito direto na qualidade do ensino. “Não tem lugar no mundo com uma pesquisa que aponta que doutor no corpo docente é qualidade. Não existe isso. Não posso afirmar que se tenho 100% de doutores no quadro docente tenho mais qualidade que meu vizinho. Não existe tese científica que comprova isso", afirma o diretor da ABMES.
"O viés da rede pública é pesquisa, o viés da rede privada é mercado de trabalho. São coisas que não podem ser comparadas. (...) Rede pública e privada se complementam. Não são concorrentes", afirmou.
Apesar da afirmação de Sólon, o MEC considera o número de doutores como uma das variáveis para compor o conceito de cada instituição de ensino. Somente no ano passado o MEC apontou 756 cursos com conceito 3 que ficaram impedidos abrir novas vagas e não terão novos contratos de programas como Prouni, Fies e Pronatec.
Cai total de professores graduados
Segundo os dados do Censo da Educação Superior de 2014, as empresas só superam o setor público em um dos índices na composição do mercado de trabalho. A rede privada foi a que teve a maior diminuição absoluta no total de professores sem títulos além do diploma básico da graduação.
Em 2004, as empresas tinham 24.393 professores sem diplomas stricto ou lato sensu. O número era até mesmo maior que o total de doutores (21,9 mil).
Em 10 anos, as empresas conseguiram reduzir em 96% esse total, chegando ao ano de 2014 com apenas 883 graduados lecionando no ensino superior privado brasileiro. O setor público também diminuiu em 49% o total de professores que tinham apenas o título de graduação, saindo de 13.909 para 7.081.
Aumento de matrículas e professores
Se em 10 anos o país viveu um crescimento de 88% no total de matrículas, o total de professores dedicados ao ensino universitário cresceu 37%, sendo que a maior alta foi na rede pública, com 73%.
Entre as empresas do setor, o total de novas contratações no período significaram aumento de 18,9% nos postos de trabalho.
Além do maior índice de contratação, o setor público teve os maiores percentuais de qualificação dos seus quadros. Se o total de doutores lecionando subiu 130%, essa alta foi de 98,6% na rede privada contra 149% na rede pública.
O mesmo quadro se repete entre os mestres, que no geral tiveram alta de 52,2% em 10 anos, sendo que a rede pública teve aumento de 82,6% enquanto a privada ficou com 41,9%.
Pós doutorado enquanto mercado não vem
Aos 29 anos, Rubia Pereira Gaissler completa neste mês seu primeiro ano como doutora em “sociologia e ambiente” sem ter conseguido uma colocação no mercado. Foi aprovada em três concursos e não foi chamada para nenhum. Em um dos concursos no qual chegou a ser inscrever, mais de 30 doutores disputavam a vaga.
Enquanto a porta no mercado não se abre, ela busca uma bolsa de pós-doutorado, mas já percebeu maior concorrência nas agências de fomento. A trajetória de Rubia repete a de outros pós-graduandos que esticam a permanência na pesquisa acadêmica (e nas bolsas de auxílio) enquanto buscam novas colocações.
"(São) muitos doutores formados e não tem mercado para absorver. (...) Um ponto negativo é que muitas particulares contratam o número mínimo de doutores para preencher o quadro antes da avaliação do MEC e depois eles são demitidos", comenta Rubia.
A diretora do Andes (Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior), Olgaíses Cabral Maués, confirma a reclamação da categoria quanto aos cortes após avaliações do MEC.
Apesar disso, diz que há mesmo preferência dos doutores pelas instituições públicas, ainda que a carreira esteja, em sua opinião desestruturada. No ano passado, os professores da rede federal fizeram uma greve de 139 dias e não conseguiram reajuste.
“Mesmo sendo uma carreira ruim, desestruturada, ainda é melhor que a maioria das instituições privadas”, afirma a diretora do sindicato.
Papel da rede privada na formação
Ainda segundo os dados do Censo da Educação Superior 2014, o papel da rede privada ainda é limitado quando avaliado seu desempenho na oferta de cursos de pós-graduação. O Censo indica que em 2014 foram realizadas 299.355 matrículas em cursos de pós-graduação.
Desse total, a rede pública somou 250.965, sendo 170 mil foram em instituições federais, 79.633 em estaduais e 1.335 em municipais. Por isso, o papel das empresas na formação de novos professores e eventuais pesquisadores correspondeu por 16% dos novos pretendentes às carreiras acadêmicas.
Para o pesquisador Manoel Santana Cardoso, a existência de uma “visão estreita” entre as empresas ajuda a explicar o número. "Pesquisa é uma aventura um pouco cara. O estado tem interesse em investir na pesquisa, a rede privada nem tanto, por causa do custo", afirma. Apesar disso, ele cita pós-graduações de algumas instituições católicas como casos de excelência, como as PUCs no Rio Grande do Sul, no Paraná e no Rio.
A partir de sua experiência mais recente e dos cenários avaliados para sua tese de doutorado sobre o mercado de trabalho acadêmico, Cardoso diz acreditar que o aumento no total de doutores formados a cada ano é uma realidade irrefutável e que a tendência é uma maior absorção dessa mão de obra pelas empresas.
“Hoje há uma certa saturação nas instituições públicas de ensino após abertura de novas instituições e renovação por aposentadorias. O excedente daqueles doutores que não conseguirem a universidade pública tende a seguir dois caminhos: burocracia pública e depois as empresas privadas, de base tecnológica, de serviço ou grandes laboratórios”, afirma. “O país agora começa agora a olhar para inovação”, afirma Cardoso.
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segunda-feira, 7 de março de 2016
Um terço dos doutores leciona na rede privada no Brasil
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