Há 50 anos, as lojas de discos no Brasil receberam um álbum que entraria para história como prova de que o rock poderia fazer sucesso no país e, mais importante, que Rita Lee estava destinada a ser uma estrela de primeira grandeza.
"Fruto Proibido" tem apenas nove faixas, mas é o bastante para mostrar que era possível fazer canções de rock com elementos da música pop. As guitarras estavam em sintonia com aquilo que o gênero tinha de melhor no eixo Inglaterra-Estados Unidos, mas as letras confessionais de Rita eram polaroides das questões de comportamento do jovem brasileiro.
As músicas não traziam versos de quem estava sonhando com a Londres roqueira. Rita falava de jovens tentando sobreviver no Brasil, num ambiente familiar repressivo que encontrava respaldo fora de casa na ditadura militar.
Quem viveu naquela época certamente ouviu que rock era coisa de bandido. Se dependesse do ambiente ao seu redor, Rita seria aprisionada na embalagem de uma menina bonitinha que poderia cantar umas musiquinhas, nada mais do que isso.
Tanto é que seus três primeiros álbuns solo, no início de sua carreira após deixar Os Mutantes, foram tratados com descaso por quem não a enxergava além do vocal feminino daquela banda de malucos talentosos. E a gravadora, Philips, não dava liberdade criativa para ela.
O sucesso de "Fruto Pribido" foi saboreado como uma vingança pessoal para Rita. Ela foi demitida d'Os Mutantes porque os integrantes não consideravam que ela teria capacidade para contribuir na nova fase do grupo, que dava uma guinada para o rock progressivo. O que se viu em seguida foi Rita disparar para o topo das paradas, e os Mutantes definharem rapidamente.
Para gravar "Fruto Proibido", abrindo um contrato com a gravadora Som Livre, Rita trabalhou pelo segundo álbum consecutivo com a banda Tutti Frutti, onde se destacavam o guitarrista Luis Sérgio Carlini e o baixista Lee Marcucci.
Ela teve a liberdade prometida no convite do chefão da gravadora, João Araújo, que tinha na época um filho de 16 anos que depois se tornaria o famoso Cazuza. Araújo também apresentou Rita ao americano Andy Mills, que trabalhara com Alice Cooper e foi o produtor do álbum.
Passados 50 anos, é difícil para gerações mais novas entenderem a grande ruptura que "Fruto Proibido" representava. Talvez a canção emblemática do álbum seja aquela que mais fez sucesso, "Ovelha Negra".
Sua letra bate forte na dificuldade de relacionamento com os pais encontrada pelos jovens que deixavam o cabelo crescer para fazer rock. Hoje pode parecer uma questão menor, mas era um momento de reestruturação nas relações familiares.
Outro hit do disco, "Agora Só Falta Você", também tinha um componente claro de revolta pessoal em sua letra. Sob certa análise, também já traz um questionamento feminista, e isso estabelece uma relação com mais uma das faixas, "Luz del Fuego", canção sobre a vedete brasileira, a primeira de várias que Rita escreveu sobre ícones do feminismo.
Todas as canções do álbum são de autoria de Rita. Em duas delas, "Agora Só Falta Você" e "Pirataria", ela assina as composições com Carlini e Marcucci, respectivamente. Outras três, "Cartão Postal", "Esse Tal de Roque Enrow" e "O Toque", foram escritas com Paulo Coelho, algo destacado exageradamente pela crítica da época.
Coelho tinha terminado sua parceria com Raul Seixas, depois de o cantor ter recebido, no ano anterior, um disco de ouro pelas vendas do álbum "Gita". Para muita gente, as letras de Coelho apontavam um caminho de possível sucesso comercial para o rock no Brasil, um gênero que até então não registrava grandes vendagens. Ao se afastar dele nos discos seguintes, Rita confirmou que não precisava de outros letristas para criar hinos de rock em português.
"Fruto Proibido" traz as características que marcariam a carreira de Rita: uma devoção ao rock, traduzida pela companhia de grandes instrumentistas; letras engraçadas escritas com muito apuro poético, algo que depois ela deixaria claro também em seus muitos livros; e a coragem de se assumir como alguém diferente dos padrões.
Mas é impossível analisar o fenômeno popular de "Fruto Proibido" sem falar da importância da TV. A Som Livre despontou nos anos 1970 como grande vendedora de discos quando a Globo percebeu a forte atração que os LPs com trilhas de suas novelas despertavam no público. E passou a investir pesado em todos os seus artistas.
Por isso, além de martelar comerciais na TV que exibiam Rita cantando "Ovelha Negra", as canções "Agora Só Falta Você" e "Esse Tal de Roque Enrow" foram incluídas na trilha da novela "Bravo!", um dos álbuns mais vendidos daquele ano.
Com "Fruto Proibido", o rock brasileiro deixou de ter cara de bandido.

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