quinta-feira, 16 de março de 2017

ESTREIA–“O Filho de Joseph” faz ótima sátira ao mundo da alta cultura



O humor do cinema de Eugène Green é peculiar. Basta observar seus filmes mais conhecidos, como “A Religiosa Portuguesa” e “La Sapienza”, para entender que seu mundo é uma estranha comédia barroca – por mais bizarro que isso possa parecer.


Para o cineasta norte-americano radicado na França, a cultura é a mediadora das relações entre forma e conteúdo em seu trabalho. No entanto, ao contrário do que possa parecer, seus longas não são nada herméticos, dado o profundo humanismo que pauta seus personagens e situações.


Em “O Filho de Joseph”, ele parte de uma pintura do século 17, de Caravaggio, “O Sacrifício de Isaac”, para investigar a crise de um adolescente em busca da identidade do pai que nunca conheceu. O rapaz é Vincent (Victor Ezenfis), que leva uma vida como qualquer adolescente parisiense. Tem conflitos com a mãe, amigos – um deles, por exemplo, o convida para ser sócio num negócio que acabou de abrir na internet para vender sêmen – e um tédio existencial que o consome, e só pode ser aplacado, segundo acredita, quando souber quem engravidou e abandonou sua mãe, Marie (Natacha Régnier).


A procura não é a questão central do filme, e logo se resolve. O pai é um renomado editor parisiense, Oscar Pormenor (Mathieu Amalric), a quem Vincent vai observar no requintado lançamento de um livro. E acaba conhecendo uma crítica literária cínica, Violette Tréfouille (Maria de Medeiros), com quem trava um diálogo mais cínico do que ela.


Com esses elementos, Green, que também assina o roteiro, faz uma crônica sobre o que é ser jovem na Europa de hoje, onde as referências culturais são tão abundantes que correm o risco de se esvaziarem. Como lidar com o peso de séculos da cultura europeia diante da sedução da tela brilhante de um smartphone?


Vincent tem uma reprodução do quadro de Caravaggio na parede de seu quarto, e sempre se questiona porque foi ordenado a Abraão sacrificar o próprio filho. Claro que o rapaz pensa encontrar paralelos com sua própria história de pai ausente.


Seguindo o editor, consegue infiltrar-se no seu escritório, que fica num pequeno hotel (o porteiro é interpretado pelo próprio Green), e se esconde debaixo de um sofá, onde acaba presenciando alguns segredos sobre o pai. Até que encontra seu tio, Joseph (Fabrizio Rongione), que, como indica o título, torna-se uma figura paterna. Mas antes é preciso acertar as contas com Oscar, também desafeto do irmão.


Em “O Filho de Joseph”, Green está mais cínico e divertido do que nunca – e cinismo e humor são constantes em seus filmes (como esquecer as pichações “Dom Sebastião está voltando”, de “A Religiosa Portuguesa”?).


O que, no entanto, mais chama a atenção é sua batalha pela deselitização da arte. Por mais que use referências da alta cultura em suas obras, o diretor mostra que a arte é de todos e para todos. As cenas em que os intelectuais pretensiosos são ridicularizados – sem se dar conta do quão ridículos são capazes de ser – são impagáveis, com destaque para a personagem da atriz portuguesa Maria de Medeiros.


As interpretações pouco naturalistas nos filmes de Green causam um estranhamento que pode ser uma barreira. Mas a alta carga de verdade que ele coloca nos seus personagens – é impossível não se identificar e solidarizar com, ao menos, um de seus conflitos – serve como uma ponte que leva o público ao que há de mais humano. Aqui, uma das peripécias de Vincent é tentar unir Marie e Joseph, cujos nomes ganham um significado maior na iminência de um relacionamento entre eles.


(Por Alysson Oliveira, do Cineweb)


* As opiniões expressas são responsabilidade do Cineweb

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