Foto: O GLOBO
Clássico de Guy Debord influenciou os protestos que abalaram a França em maio de 1968
Quando a indústria cultural virou assunto na “casa mais vigiada do Brasil”, nesta quinta-feira (11), a cantora Wanessa Camargo resolveu elevar o debate e indicar bibliografia. “Tem um livro, ‘A sociedade do espetáculo’. Lê esse livro para você entender toda a parte política por trás disso, tem um interesse genuíno de gente que tá no comando de não enriquecer a cultura de um povo, e sim de emburrecer”, disse a filha de Zezé Di Camargo, que fez carreira na música pop.
Não demorou para as buscas pelo título na internet dispararem. Na tarde desta sexta-feira (12), "A sociedade do espetáculo" alcançou o topo do termômetro da Amazon. A procura pelo livro na plataforma havia crescido mais de 4.000%.
De autoria do filósofo marxista francês Guy Debord (1931-1994), “A sociedade do espetáculo” foi publicado em 1967 e se notabilizou como uma das principais influências dos protestos libertários que incendiaram o país em maio de 1968, surpreendendo todo o espectro político. Embora tenha se tornado um clássico instantâneo, o livro só chegou ao Brasil em 1997, em edição da Contraponto.
“A sociedade do espetáculo” é, em primeiro lugar, uma crítica do capitalismo. Debord argumenta que a história da vida social é caracterizada pela degradação do “ser” em “ter” e depois em “parecer”. Em outras palavras: após reduzir a vida social a troca e ao consumo de mercadorias, o capitalismo deu um passo além, promovendo o consumo incessante de imagens produzidas pela indústria cultural e pelos meios de comunicação de massa. Os indivíduos, portanto, passam a olhar para quem eles não são e que representam o que eles não têm, como os políticos e as celebridades (como os participantes de reality shows, que ainda não existiam na época de Debord).
As relações sociais deixam de ser mediadas apenas por mercadorias, como já descrevera Karl Marx em “O capital”, e passam a ser mediadas por imagens. Debord esclarece que “espetáculo” não é “uma coleção de imagens”, mas “uma relação social entre as pessoas mediada por imagens”. É assim, ensina o filósofo, que o capitalismo completa seu processo de “colonização da vida social”. O resultado, diz o filósofo, é o empobrecimento da existência e do pensamento crítico, uma vez que o espetáculo dificulta que as pessoas compreendam o presente como uma situação histórica que pode ser alterada pela ação política. Daí vem a relação entre espetáculo e alienação.
221 teses
Clássico dos cursos de comunicação, “A sociedade do espetáculo” não é uma leitura fácil. Debord não se estende muito na argumentação. O livro é composto por 221 teses extremamente concisas, como se fossem aforismos, repletas de alusões a diversos autores. Em 1988, Debord revisitou sua obra mais famosa no livro “Comentários sobre ‘A sociedade do espetáculo’”. Anos antes, em 1982, ele já havia sustentado, em um prefácio, que o que escrevera continuava atual.
Nascido em Paris, Debord se interessou cedo pela política. Militou contra a guerra colonial na Argélia (1954-1962) e, em 1957, fundou a Internacional Situacionista, organização de extrema esquerda que se distanciava do comunismo soviético e reivindicava a herança das vanguardas artísticas, como o surrealismo e o dadaísmo. A Internacional Situacionista se dissolveu em 1972, depois de ter emprestado vários slogans para os rebeldes de Maio de 1968.
Wanessa não é a única BBB a apreciar a filosofia francesa. Em 2021, Rafa Kalimann compartilhou nas redes sociais uma frase do livro “Mil platôs”, da dupla de pensadores Gilles Deleuze (1925-1995) e Félix Guattari (1930-1992): “Os afetos atravessam o corpo como flechas, são armas de guerra”.
Por
Ruan de Sousa Gabriel— São Paulo
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