Após liminares favoráveis às operadoras, empresa fechou as portas no mês passado; OUTRO LADO: defesa diz que operação era legal e nega acusações
Operadoras de saúde dizem que um banco digital de fachada foi criado apenas para emitir comprovantes para fins de reembolsos fraudulentos em um esquema com clínicas e laboratórios. Em dois anos de funcionamento da empresa, ele teria movimentado reembolsos na ordem de R$ 18 milhões.
A denúncia é da Fenasaúde (Federação Nacional de Saúde Suplementar) e se baseia em ações judiciais ingressadas por suas associadas, entre elas a SulAmérica e a Bradesco Saúde.
O réu é o Theos Bank, nome fantasia da empresa de tecnologia de informação RRF Gestão e Administração de Recursos Financeiros Ltda. No último dia 2, a defesa do banco informou à 41ª Vara Cível do Foro Central de São Paulo, onde tramita uma ação proposta pela SulAmérica, que a empresa estava encerrando as atividades. A instituição não tinha registro no Banco Central.
No ofício ao qual a Folha teve acesso, o advogado Rodrigo Luiz de Oliveira Staut, que representa a RRF, diz que a empresa, após ações judiciais de planos de saúde contra ela no final do ano passado, não resistiu e fechou no último dia 7 de agosto.
"A empresa perseguida pelos maiores planos de saúde do país comprova que não existe mais, e por sua declaração de faturamento, nos últimos oito meses, teve acumulado de R$ 00,00 (zero) reais", escreveu a defesa, alegando que o cliente não tem condições de arcar com os encargos processuais e, por isso, pede gratuidade da Justiça.
À Folha, Rodrigo Staut afirmou que o seu cliente não operava na ilegalidade, que não precisava de autorização do Banco Central para as atividades financeiras que realizava e que não participou de nenhuma fraude contra planos de saúde.
Confirma que há quatro ações tramitando contra o Theos na Justiça e que nenhuma ainda foi julgada. Em uma delas, obteve liminar favorável. As demais foram em favor dos planos.
Segundo Vera Valente, diretora-executiva da Fenasaúde, o fechamento do banco ocorreu após os planos de saúde obterem liminares favoráveis de ações judiciais em que pediam autorização para negar o pagamento de pedidos de reembolsos irregulares.
Com as decisões, o banco também ficou impedido de continuar intermediando operações com as clínicas. "Ficou evidente que o banco tinha sido criado apenas para esse tipo de fraude. Na hora em que teve a decisão da Justiça, fechou", afirma.
De acordo com uma ação proposta pela SulAmérica, a qual Folha teve acesso, o Theos Bank operava para a clínica S’Agapo Medicina Diagnóstica e Genética e o laboratório Mitros Lab Medicina Diagnóstica, ambos de São Paulo, que pertencem a um mesmo grupo e que não fazem parte da rede credenciada do plano.
A clínica e o laboratório, segundo a denúncia, deixavam de mencionar aos beneficiários o preço dos serviços e diziam que cuidariam para que os custos fossem arcados integralmente pelos planos de saúde, por meio do reembolso assistido, sem necessidade de desembolso (pagamento) por parte do paciente.
"Com isso, se comprometem a cuidar de toda a parte burocrática envolvendo a solicitação de reembolso, bastando que lhes seja fornecido 'login e senha' de seus aplicativos dos planos de saúde", diz um trecho da ação.
Após o plano endurecer a fiscalização contra essa modalidade, considerada ilícita, passando a exigir a comprovação efetiva do pagamento pelo beneficiário, a clínica e o laboratório contaram com o auxílio do Theos Bank para concretizar a fraude, segundo a ação da SulAmérica.
Em nota enviada à Folha, a SulAmérica diz que a fraude foi descoberta por meio do uso de mecanismos de inteligência artificial e contato direto com beneficiários, que confirmaram a ocorrência.
Nos autos, há várias trocas de mensagens entre os clientes e as empresas, inclusive recibos de depósitos e transferência em nome dos reús. Também foi anexado um áudio de um representante do Theos Bank em que ele confirma que um dos seus produtos é o serviço de "reembolso de despesas médicas".
Relata também que trabalhava na modalidade "private label", que consiste na emissão de um cartão em nome do beneficiário do plano, restrito ao funcionamento da clínica para qual foi concebido. Segundo ele, funcionava assim: no início do mês, o prestador parceiro realizava um depósito (da quantia que desejasse) em uma conta previamente estabelecida no Theos Bank, chamada de "conta bolsão".
Após ser atendido na clínica ou no laboratório, o paciente se cadastrava com dados básicos para emitir um cartão, em que eram disponibilizados valores dessa conta bolsão, equivalentes ao preço da prestação de serviço. Ao utilizar o cartão na maquininha oferecida pelo Theos Bank, os valores retornavam para a conta bolsão. "Um verdadeiro esquema de dinheiro infinito", diz trecho da ação.
No final, era emitido um comprovante atestando o pagamento, que era anexado aos demais documentos exigidos pela operadora para o reembolso. Nesses casos, eram os prestadores que pediam o reembolso em nome do beneficiário do plano. Caso a operadora ligasse para o usuário, ele já estava orientado a validar a operação.
Procurada, Rosangela Eleutheriou, uma das sócias da clínica S’Agapo e do laboratório Mitros, informou por mensagem que não foi realizado nenhum ato criminoso, "inclusive já foi objeto de inquérito policial e nenhum crime foi constatado".
No mês passado, a Polícia Civil de São Paulo fez uma operação de combate a fraudes contra planos de saúde em que cumpriu 49 mandados de busca e apreensão nas zonas leste, norte e sul da capital. Os suspeitos teriam montado clínicas-fantasmas, forjaram pedidos médicos e resultados de exames para pedir reembolsos.
Para Vera Valente, da Fenasaúde, o caso revela que o fraudador sempre está na frente e a criatividade é enorme. "O maior alerta para a sociedade é: nunca dê o seu login e senha. É incrível como as pessoas ainda entram nessas histórias. Certamente essa fintech [banco digital] é a ponta de um iceberg."
Questionada, a Bradesco Saúde não comenta casos levados ao Judiciário.
Folha de São Paulo
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