Não é preciso muito para notar a referência no nome original do novo filme estrelado por Bill Murray, “Rock em Cabul”, cujo título original é “Rock the Kasbah”, à música homônima da banda The Clash, que descrevia uma rebeldia popular contra as rígidas leis de Shareef, um sheik que abomina música.
Neste sentido, mesmo não estando na trilha sonora, a famosa canção tem muito a ver com a história real de Setara Hussainzada, que inspirou a comédia “Rock em Cabul”.
Primeira mulher a cantar e dançar no programa “Afghan Star”, versão local do “American Idol”, sua participação gerou polêmica por desafiar as restrições impostas à população feminina no Afeganistão.
Embora tenha sido finalista no programa, as ameaças de morte a fizeram fugir para a Alemanha. No entanto, Salima (a palestina Leem Lubany, do premiado “Omar”), a personagem inspirada na cantora afegã, só aparece na segunda metade do longa.
Assim, fica evidente no decorrer da película de Barry Levinson que, para saber mais da real trajetória de Setara, é preferível assistir aos documentários “Estrela Afegã” (2009) e “Uma Estrela Afegã em Queda” (2015), ambos de Havana Marking, e que o título brasileiro é mais sincero com esta produção totalmente centrada na figura fracassada do empresário de rock Richie Lanz (Bill Murray), em suas desventuras e negociações em Cabul.
O cara que diz ter descoberto Madonna tem um escritório no mesmo quarto de hotel de beira de estrada em que mora na Califórnia, onde aceita representar qualquer artista que possa pagar suas contas.
Por isso, quando ele é informado da existência de uma lucrativa turnê para as tropas norte-americanas no Afeganistão, ele não pensa duas vezes antes de levar sua principal agenciada e assistente Ronnie (Zooey Deschanel) para a empreitada.
Obviamente, a situação se complica e Richie fica preso no país em permanente guerra civil – a história é localizada em um passado recente, com as Forças Armadas dos EUA já ocupando a região.
Lá, ele encontra uma série de tipos exóticos: Bruce Willis novamente como mercenário, Kate Hudson, na pele de uma requisitada prostituta de bom coração, e Lubany encarnando com graça a jovem pashtun que canta escondida no deserto, mas cuja voz angelical o empresário quer mostrar na TV afegã.
Esses são só alguns dos vários personagens apresentados que, no decorrer da trama, acumulam funções narrativas por conveniência ou são abandonados, geralmente sem justificativa.
Exemplos são o soldado Barnes (Taylor Kinner) e uma dupla de traficantes de armas (Danny McBride e Scott Caan) que oferece um serviço inusitado ao protagonista e misteriosamente some.
Igualmente, Mitch Glazer, roteirista de “O Novato”, parece implorar para o espectador, por sua vez, para esquecer o significado de “plausível” em uma história que dispensa a lógica, abre inúmeras subtramas em seu disperso script, assim como o povoa de figuras exóticas, sem amarrar tudo.
Longe da melhor forma, como no icônico “Rain Man” (1988), o diretor do recente “O Último Ato” (2014) não obtém aqui um equilíbrio eficiente entre drama e comédia. Não que haja uma transição drástica entre os gêneros na fusão. Contudo, o sentimentalismo do terceiro ato mostra-se deslocado, enquanto o absurdo de sua farsa não gera tantos risos.
Além do mais, há a questão moral do exagerado tom jocoso ao brincar com o Talibã e a situação do Afeganistão, sem conferir a isto uma crítica à ocupação estrangeira.
Ainda assim, a excentricidade do filme faz deste ponto de vista egocêntrico, defendido de maneira bem humana por Murray, um charme. Agora, a real estrela de “Rock em Cabul” só poderia ser a trilha sonora, recheada de clássicos do rock; especialmente de músicas do Cat Stevens, da época em que o cantor ainda não tinha se convertido ao islamismo e adotado o nome Yusuf Islam.
(Por Nayara Reynaud, do Cineweb)
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