De várias formas, “Big Jato”, adaptado de livro de Xico Sá, à primeira vista não é bem o filme que se espera de Cláudio Assis, a julgar por suas contundentes obras anteriores, como “Amarelo Manga” ou “Baixio das Bestas”.
É mais amoroso e mais delicado, embora vários de seus temas preferenciais estejam lá –inclusive o machismo, retratado nas sequências que mostram um bordel, onde o caminhoneiro Xico (Matheus Nachtergaele) trava um diálogo decisivamente misógino com o filho adolescente, Xiquinho (Rafael Nicácio), instruindo-o sobre como “não se deve ouvir” as mulheres, até porque não se pode mesmo entendê-las.
Essas e outras situações envolvendo as mulheres, no entanto, são apresentadas por um viés crítico a essa mentalidade primitiva e dura de superar.
“Big Jato” trata do ritual de amadurecimento de Xiquinho, menino de óculos grossos –talvez parente sentimental do Miguilim, de Guimarães Rosa– que deseja ser poeta numa realidade pobre, na cidadezinha de Peixe de Pedra. No dia a dia, ele é o auxiliar do pai, que conduz um caminhão desentupidor de fossas, o Big Jato. A atividade vale ao menino o apelido de “zé merdinha” na escola, denotando não só bullying, como preconceito de classe, outro tema da história.
Bruto, ignorante e bêbado, o pai quer de todo modo que o menino largue da poesia e se dedique a coisas mais pragmáticas, como a matemática, que interessa ao seu irmão mais velho, George (Vertin Moura). Mas, na seara artística, Xiquinho tem um inspirador no tio paterno, Nelson (também interpretado por Matheus), um radialista transgressor naquele ambiente, que jura que os Beatles foram antecedidos em sua inovação pop por um obscuro grupo roqueiro local, os Betos –o que proporciona alguns dos momentos mais impagáveis do filme.
Essa dualidade de influências, entre Xico pai e Nelson, fornece a matriz masculina que disputa o coração e a mente de Xico menino –uma interpretação muito convincente do novato Rafael Nicácio, um garoto lírico que nem todo o excremento do mundo é capaz de conspurcar.
A matriz feminina é da mãe, interpretada como sempre com muita personalidade por Marcélia Cartaxo, que é uma mulher raivosa do marido bêbado que finalmente sai de sua sombra.
No início, ela apenas reclama e padece os abusos do marido contra ela e os filhos, de maneira furiosa mas impotente. Mas paulatinamente, dedicando-se a um trabalho com perfumes (ironia com a atividade suja e fedorenta dele), ela amplia sua independência, o seu arco e posição.
Ao marido machista, também se encontra uma via de transformação, que não é redentora, maniqueísta, mas humanista, cabível neste universo retratado de maneira absolutamente apaixonante e bela. “Big Jato” é um grande filme e isso é mérito acima de tudo de Cláudio Assis.
Em sua première, no Festival de Brasília 2015, “Big Jato” enfrentou vaias que, afinal, eram não para o filme mas para o diretor Assis, que protagonizara, junto ao colega Lírio Ferreira, a interrupção de um debate do filme de Anna Muylaert, “Que Horas Ela Volta?” em Recife.
Mas, ao final, como grande vencedor daquele mesmo festival (com troféus de melhor filme, ator, atriz, roteiro e trilha sonora), “Big Jato”, belo, emocionante, pode ocupar o território que lhe é devido e ampliar seu alcance diante dos olhos e do coração do público.
(Por Neusa Barbosa, do Cineweb)
* As opiniões expressas são responsabilidade do Cineweb
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