sábado, 1 de fevereiro de 2025

Medida de Trump paralisa projetos de ONGs, empresas e iniciativas que lidam com queimadas e refugiados no Brasil

 



A decisão do presidente Donald Trump de suspender a ajuda externa dos Estados Unidos, anunciada na semana passada pelo Departamento de Estado, já afeta uma série de projetos brasileiros. Geridos pelo governo federal ou por organizações internacionais, entidades parceiras e empresas privadas, essas iniciativas abrangem desde a preservação da Amazônia e a proteção de povos indígenas até ações de ampliação de infraestrutura digital e redução do desperdício de água.


No dia 24, o governo americano anunciou a interrupção de repasses para ajuda humanitária internacional, com exceção ao financiamento militar ao Egito e a Israel e aos fundos emergenciais para alimentos. A medida valeria por 90 dias, período em que o governo revisaria os programas. Na terça-feira, o Departamento de Estado recuou parcialmente, detalhando que os programas que envolvem “iniciativas que salvam vidas”, como saúde, alimentação e acolhimento seguirão financiadas, mas os relacionados a aborto, planejamento familiar e gênero seguem a suspensão.


A extensão do bloqueio é incerta, mas ONGs de diversos setores já foram impactadas pelos cortes sem previsão de retomada, segundo apurou o GLOBO.


Chuveiros e bebedouros

A Cáritas Brasileira tem um projeto desde 2019 para oferecer banheiros com chuveiro, lavanderia e bebedouros para a população vulnerável que cruza a fronteira entre Brasil e Venezuela. Os atendimentos, cerca de mil por dia, ocorrem em Boa Vista e Pacaraima, em Roraima. O governo americano, por meio da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (Usaid), investiu no projeto cerca de US$ 680 mil em 2024, segundo consta em planilha do Departamento de Estado.


No dia 24, a entidade recebeu uma notificação do governo americano informando a suspensão do financiamento por três meses, e as ações foram pausadas imediatamente. Giovanna Kanas, assessora nacional da Cáritas, diz que a suspensão do projeto causa “impacto muito grande para a população imigrante e refugiada” e diz esperar que o poder público assuma o cuidado com essa população:


— Elas precisam de acesso a banho seguro, a sanitários e água potável. A gente está muito preocupado. É o momento de o poder público reafirmar seu compromisso com os direitos humanos e construir soluções — diz.


Nesta semana, a Organização Internacional para as Migrações (OIM) também comunicou ao governo brasileiro que precisaria interromper o atendimento a imigrantes venezuelanos no âmbito da Operação Acolhida. O serviço já está paralisado, deixando dezenas de pessoas desassistidas diariamente na fronteira.


Outra entidade impactada é a Visão Mundial, que teve dois projetos com recursos cortados. Um realiza ações de resiliência climática no Nordeste, outro é focado no acolhimento de refugiados da Venezuela, desde a capacitação de adultos até a oferta de espaços seguros para as crianças. As ações estão paralisadas.


— O governo americano tem sido pouco claro nas decisões — diz Thiago Crucciti, CEO da Visão Mundial.


A lista de projetos brasileiros potencialmente afetados consta em planilha do Departamento de Estado. Em 2023, os repasses ao Brasil somaram US$ 71 milhões, sem contar recursos indiretos como o da OIM na Operação Acolhida. O relatório do ano passado, ainda incompleto, registra US$ 26,8 milhões. Alguns dos financiamentos têm previsão de término só daqui a dois ou três anos.


Projetos com indígenas

A WWF Brasil, por exemplo, recebeu cerca de US$ 4 milhões para financiar o projeto “Tapajós pela Vida”, que ajuda comunidades vulneráveis da bacia hidrográfica do Tapajós a desenvolver alternativas econômicas sustentáveis, como o turismo ecológico. A ideia é ajudar na preservação dos territórios indígenas e áreas de conservação ambiental em uma região fortemente afetada pelo garimpo ilegal de ouro.


Em iniciativa parecida, o Instituto Centro de Vida (ICV) montou o “Projeto Assobio” para fortalecer a agricultura familiar em comunidades de 13 municípios do Mato Grosso, incluindo sete territórios indígenas. A previsão era de que as medidas de incentivo à produção orgânica durassem até 2028, com 5 mil pessoas impactadas diretamente no cultivo de café, frutas, verduras, castanhas e outros produtos. O governo americano já contribuiu com US$ 1,45 milhão.


Nos causou surpresa’

O governo brasileiro tem ainda parceria ativa com o Serviço Florestal dos Estados Unidos (USFS) para combate a queimadas. O plano de cooperação técnica com instituições como o Ibama e o ICMBio envolve ações de prevenção e manejo de fogo na Amazônia, Cerrado e Pantanal. No ano passado, o governo americano investiu US$ 3,3 milhões no projeto, com previsão de término apenas em setembro de 2027.


A nova diretriz de Trump pode respingar ainda em projetos brasileiros de tecnologia. O Instituto Rio Metrópole (IRM) tem contrato com a agência dos EUA para o Comércio e Desenvolvimento para criação de uma “infovia” na região metropolitana do Rio de Janeiro, que melhoraria a infraestrutura de oferta de internet. O aporte é de US$ 971 mil. Em carta enviada esta semana, a USTDA confirmou que a parceria estava suspensa.


— Nos causou surpresa — diz o diretor executivo do IRM, Mauricio Knoploch.


A Concessionária de Saneamento do Amapá (CSA Equatorial) também conta com financiamento da agência para estudar tecnologias americanas no seu plano de redução de perda de água potável no sistema de distribuição — o contrato assinado com o governo do estado determina que a companhia reduza o nível de perda de 74% para 30% em nove anos. Um edital foi aberto pela USTDA no final do ano passado, com promessa de pagamento de US$ 672,5 mil para a companhia selecionada ao longo do período.


A Equatorial confirmou que os planos do governo Trump afetam a parceria. A empresa acrescenta, contudo, que isso não deve impedir o cumprimento dos termos da concessão no Amapá. “A CSA já possui um plano de perda de água para o estado de modo a cumprir as exigências do contrato”, afirmou em nota.


Por 

 e 

 — São Paulo

Nenhum comentário: