quinta-feira, 8 de agosto de 2024

Nicarágua decide expulsar embaixador brasileiro após atritos entre Lula e Ortega

 

                                            Leonardo Fernandez Viloria- Reuters


Diplomata não compareceu a evento em data comemorativa e irritou regime; Itamaraty alerta nicaraguenses para consequências


A ditadura da Nicarágua decidiu expulsar do país o embaixador do Brasil em Manágua, Breno de Souza da Costa, em retaliação ao congelamento das relações entre os dois governos desde que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tentou interceder pela liberação de um bispo católico perseguido pelo regime.


O distanciamento entre Lula e o ditador Daniel Ortega aumentou após o petista tentar intermediar a soltura do bispo Rolando José Álvarez, que ficou detido por mais de 500 dias e acabou expulso do país centro-americano em janeiro. O ditador nicaraguense ignorou o presidente brasileiro e nem sequer respondeu a um pedido de telefonema para tratar do assunto.


De acordo com um alto funcionário do Itamaraty, que falou sob condição de anonimato, o aviso do regime Ortega de que Costa deveria deixar o país foi dado há cerca de duas semanas. O ministério das Relações Exteriores fez gestões junto à Nicarágua para esclarecer a decisão e, segundo o funcionário, aguarda uma manifestação definitiva de Manágua.


A chancelaria brasileira avisou as autoridades locais de que haverá consequências caso a ordem de expulsão seja confirmada. Até esta quarta-feira (7), o embaixador Breno de Souza da Costa continuava em Manágua.


A notícia de que Costa recebeu ordem das autoridades para deixar a Nicarágua foi publicada nesta quarta pelo site Divergentes, especializado em temas locais e de outros países da América Central. A Folha confirmou a informação.


O site também disse que o regime Ortega deu 15 dias para que Costa deixasse a Nicarágua. Sobre esse ponto, um interlocutor no governo Lula disse que o comunicado da ditadura sobre a expulsão do brasileiro não trouxe um prazo para isso, razão pela qual o Itamaraty viu espaço para tentar dialogar.


O diplomata foi sabatinado pelo Senado em dezembro de 2021. Ele iniciou sua missão na Nicarágua no ano seguinte.


O funcionário do Itamaraty a par do assunto disse que o ato que desencadeou a decisão de expulsão foi o embaixador brasileiro não ter participado de um ato em celebração dos 45 anos da Revolução Sandinista. A ausência teria irritado as autoridades locais.


O diplomata brasileiro agiu sob orientação do Itamaraty. Diante do congelamento das relações, ele tinha instruções de Brasília a não comparecer em determinados atos políticos do regime. O PT é aliado histórico de Ortega, líder da Revolução Sandinista e no poder de forma ininterrupta desde 2007.


A ditadura nicaraguense chegou a anunciar a libertação de Álvarez em meados de 2023, mas o religioso não aceitou a condição, imposta por Ortega, de que deixasse a Nicarágua. O regime voltou a prendê-lo, e Álvarez só foi solto no início deste ano, com o compromisso de ir para o Vaticano —na prática, uma expulsão.


O pedido para que Lula tentasse interceder pelo religioso foi feito diretamente pelo papa Francisco, durante encontro dos dois no Vaticano em junho de 2023. Lula vinha relatando sua frustração com a inflexibilidade de Ortega a aliados.


Ele fez o relato de que Ortega não quis atender seu telefonema ao cardeal Pietro Parolin, principal emissário do papa, durante visita a Brasília em abril deste ano.


O presidente brasileiro tornou o descontentamento com o líder sandinista público em entrevista a correspondentes estrangeiros, em julho, também em Brasília.


"O dado concreto é que o Daniel Ortega não atendeu o telefonema e não quis falar comigo. Então, nunca mais eu falei com ele, nunca mais. Ou seja, eu acho que é uma bobagem", disse Lula na ocasião.


"Quer dizer, o cara que fez uma revolução como o Daniel Ortega fez. Uma revolução. Eu participei do primeiro aniversário daquela revolução. Era um bando de meninas e meninas armados com metralhadoras que derrotaram o Somoza. Mas você faz uma revolução para quê? Faz uma revolução por que você quer o poder ou você faz uma revolução por que você quer melhorar a vida do povo do seu país? É isso que está em jogo".


O caso envolvendo o bispo católico consolidou o congelamento das relações entre Lula e Ortega. Mas mesmo antes essa relação vinha esfriando progressivamente. O processo foi marcado por recados, alguns deles públicos.


Em junho de 2023, por exemplo, o Brasil subscreveu uma resolução da OEA (Organização dos Estados Americanos) que pedia democracia na Nicarágua.



Ricardo Della Coletta

Folha de São Paulo

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