terça-feira, 23 de janeiro de 2024

‘A vacina de dengue do Butantan tem vantagens em relação às concorrentes’, diz diretor do instituto

 

                                            Foto: Maria Isabel Oliveira


Em junho deste ano, o último dos 17 mil voluntários envolvidos no desenvolvimento da vacina da dengue no Instituto Butantan completará cinco anos desde que recebeu a dose — neste momento experimental — do imunizante. Desse momento em diante, a instituição entrará na finalíssima fase de criação da vacina, que inclui o envio de um detalhado dossiê à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).


Esper Kallás, o diretor do Butantan, acompanha esse trabalho de perto e diz que o pedido à reguladora deve ocorrer no segundo semestre deste ano. Em paralelo a esse trabalho, o médico infectologista também se vê em meio ao avançado processo de liberação da vacina de chikungunya e de novos projetos que incluem imunizantes para monkey pox e a gripe aviária, cuja capacidade de motivar uma pandemia assusta os especialistas.


Ao GLOBO, o especialista ainda falou sobre a parada na produção da CoronaVac, vacina pioneira na imunização contra Covid no Brasil, do desenvolvimento de um imunizante nacional para o Coronavírus (a ButanVac) e sobre sua contribuição no cenário do HIV no Brasil.


Como é a vacina da dengue do Butantan? E quando entrarão com pedido de registro na Anvisa?

O Butantan vem trabalhando há muito tempo com o desenvolvimento dessa vacina. Sabemos das dificuldades que é desenvolver um novo produto em biotecnologia, mas estamos muito contentes com as perspectivas que temos adiante. Achamos que ela tem diversas vantagens em relação às concorrentes do mercado, uma delas é o fato de ser dose única. Além de ter um desempenho muito bom em crianças e em pessoas que nunca tiveram dengue antes, o que é uma coisa que as outras vacinas claudicam. A expectativa da vacina, quando for aprovada, é que seja a melhor do mercado para combater a dengue. Pretendemos finalizar o processo e encaminhar dossiê para a Anvisa no segundo semestre deste ano. E então seguirá os ritos de aprovação.


Houve antecipação nos planos?

Trabalhamos o máximo possível para ser o quanto antes, só que processos de submissão são sempre muito complexos, mas sempre dá para apertar um lugarzinho aqui e ali para acelerar. A Anvisa tem sido muito receptiva aos agravos que trazem problemas para a saúde pública brasileira. Tenho muita esperança que seja sensível, como tem sido, em avaliar o produto do Butantan com celeridade para chegar rápido no mercado brasileiro.


A vacina da dengue foi testada numa realidade em que não existia os sorotipos 3 e 4 da doença circulando, apenas 1 e 2. Ela vai funcionar contra todas as versões da dengue?

Ao olhar a vacina da dengue, você notará que é um imunizante 4 em 1. O quatro sorotipos do vírus estão enfraquecidos, atenuados. Mas há uma representatividade genética muito grande. Foi possível isso para os vírus 1, 3 e 4. Só que tipo dois não conseguimos, ela é uma mistura de fragmentos do vírus 2 com fragmentos do vírus 4. Todo mundo que trabalhou com essa vacina achou que esse era o nosso “calcanhar de Aquiles”. Não se sabia como seria o desempenho para dengue (sorotipo) 2. Quando saíram os resultados dos dois primeiros segmentos de eficácia, descobrimos que o desempenho da vacina para dengue 2 foram muito boas. O “tendão de Aquiles” resistiu bem. A proteção foi muito boa já o primeiro ano e caiu muito no segundo. Esperamos que o desempenho contra os quatro (vírus da dengue) seja muito bom.


A expectativa é que seja uma dose para a vida toda?

É cedo para dizer. Percebemos que pouco mais de três anos ela segura uma boa proteção, já demonstramos isso em estudos publicados ao longo de congressos internacionais. Só o tempo que vai mostrar. Anual não será, pois já notamos que em dois anos ela funcionou muito bem. Olhe para outras vacinas que usam vírus atenuados, como sarampo, poliomielite, febre amarela e varicela, em todos os casos a proteção é muito longeva. Essa é uma vantagem dos vírus inativados, vivos, como foi utilizado na vacina da dengue.


No caso da vacina chikungunya do Butantan já há um pedido com a Anvisa, correto?

Sim, já mandamos um primeiro pacote à Anvisa. A agência é a salvaguarda do Brasil para utilização de produtos de uso humano. Recentemente, ela embarcou numa discussão com outras agências internacionais de grande prestígio, inclusive a europeia (EMA). Todas organizaram uma inciativa que converge formas de avaliação de produtos biomédicos para que andem pelos mesmos caminhos regulatórios, sem tirar a independência de cada uma. Nós submetemos (os dados da vacina), pela primeira vez, para entrar nessa mesma iniciativa. Ainda faltam alguns elementos, que encaminharemos neste mês. É um marco no processo regulatório brasileiro. Estamos felizes em catalisar essa iniciativa.


Qual é a previsão de uso?

Esperamos que até o fim deste ano ou começo de 2025 tenhamos a resposta positiva e definitiva e partimos para partes importantes de validação prática. Nunca houve uma vacina de chikungunya, precisamos dar respostas se vamos vacinar toda a população ou realizar ações de bloqueio, por exemplo. Estamos com epidemiologistas, bioinformatas, além dos colegas da (empresa de biotecnologia) Valneva, nossa parceira de desenvolvimento, além de agências reguladoras


Há novidades nas áreas de estudo do Butantan?

Passamos por um ano de arrumar a casa no pós-pandemia. Começamos, agora, a ganhar fôlego para começar novas iniciativas. O projeto da planta fabril multipropósito com cultura de célula (uma nova fábrica), está quase finalizado. E então partirá para autorização da Anvisa. Esperamos que isso aconteça em meados do segundo semestre. Há ainda o projeto de acomodar, em um dos andares, uma fábrica vacina e outros produtos de RNA mensageiro. É muito estratégico, pois é a forma mais fácil de se produzir uma vacina. Também estamos trabalhando para dobrar nossa capacidade de produção de soros, e finalmente poderemos atender 100% da demanda nacional e exportar para os países do Mercosul, da América Latina e eventualmente outras localidades.


A CoronaVac, ainda é comprada pelo Ministério da Saúde?

Entregamos 10 milhões de doses neste ano, estão à disposição do ministério. Notamos que houve uma queda muito grande na demanda da CoronaVac. Entregamos nesse último lote e decidimos nos dedicar a outros projetos.


A ButanVac, sob desenvolvimento do instituto, estava com dificuldades de encontrar voluntários. Como está isso?

Resolvemos. Notamos que o desenvolvimento estava muito lento e fizemos um esforço grande para incluir todos até agosto de 2023, coletamos as amostras críticas, para avaliação de imunogenícidade (a capacidade de gerar anticorpos), coletamos os dados de segurança que são encorajadores. Vamos aguardar o resultados para ver como foi o desempenho, isso deve ocorrer em fevereiro ou março. Ai saberemos se vamos desencadear a fase 3. Estamos entusiasmados.


Faz sentido ainda desenvolver uma vacina pra Covid num país com a doença controlada e diversas opções já em uso?

A primeira coisa é autossuficiência. Além disso, temos indicativo de agências regulatórias do mundo inteiro que a Covid terá uma vacinação parecida com a Influenza (gripe), a vacina será adaptada à variante que circula a cada ano. Ter isso ao nosso rol de vacinas seria bom.


O Butantan chegou a anunciar que estudaria vacinas para Monkey Pox e gripe aviária em meio a surto dessas doenças. O instituto está pronto para assumir projetos em situações de emergência, mas abandoná-los se não fizerem mais sentido?

Quem trabalha com saúde coletiva e para iniciativas contra novas pandemias e epidemias tem que atuar numa linha fina de risco elevado. Sobre a Monkeypox, já estabelecemos uma iniciativa com pesquisadores para incorporar uma vacina no Butantan, assinamos termos de cooperação, estamos desenhado o projeto. A Monkeypox não vai embora e aparecerá em outros surtos. Em relação à gripe aviária, se especialistas internacionais fossem elencar quais agentes serão responsáveis pela próxima pandemia, eles colocariam em primeiro lugar essa infecção. Portanto, resolvemos desencadear um programa para desenvolver uma vacina utilizando nossa tecnologia 100% brasileira. Escolhemos três candidatas, a primeira está em fase pré-clínica e devemos começar o estudo com voluntários no segundo semestre deste ano.


O senhor é um dos grandes pesquisadores do Brasil em relação ao vírus HIV. É um dos responsáveis pela incorporação da profilaxia pré-exposição (PrEp) no país. Trará essa expertise para o Butantan?

Eu trabalhei minha vida inteira com vacinas da HIV, desde que terminei meu mestrado me afundei nisso, ainda era 1996. Testamos, na USP, alguns projetos de vacinas para o vírus, infelizmente o resultado foi zero, não houve proteção. Há outros protótipos em testes, mas infelizmente o entusiasmo com a vacina ficou um pouco ameaçado após tantos resultados negativos. Para prevenção de HIV há um caminho de estudo (em outras organizações) que são os anticorpos monoclonais, seria como uma PrEP que duraria de 6 a 12 meses dependendo da exposição. É algo que está no nosso radar. Se aparecer uma boa oportunidade gostaríamos de participar. O meu grupo na USP, do qual estou licenciado trabalhando aqui, continua colaborando em um consórcio internacional de busca da cura do HIV, mas são projetos exploratórios. É algo mais conceitual.



Por 

 — São Paulo   O Globo

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