Para economistas, reajuste na fatura de energia deve ter impacto importante no IPCA de setembro
Na avaliação de economistas ouvidos pela Folha, a decisão da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) de mudar a bandeira tarifária terá um impacto sobre a inflação, o que eleva a pressão sobre o Copom (Comitê de Política Monetária do Banco Central) na definição dos juros básicos em setembro.
Na noite desta sexta-feira (30), a agência anunciou que a bandeira tarifária de setembro será vermelha patamar 2, que corresponde a um acréscimo de R$ 7,877 a cada 100 quilowatts-hora (kWh) consumidos.
A Selic foi mantida pelo comitê em 10,5% ao ano na última reunião. O início de um novo ciclo de altas da Selic ainda não é consenso, mas é uma percepção que ganhou força nas últimas semanas.
Para o economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale, o impacto da bandeira vermelha na inflação em setembro será importante, da ordem de 0,4 ponto percentual no IPCA (Índice de Preços ao Consumidor - Amplo).
"Com isso, aumenta o risco de a inflação passar do teto este ano, caso a bandeira vermelha seja mantida até o fim de 2024, o que é provável. A discussão passa a ser de impacto de alta de juros, que poderá ser de 0,5 ponto. Os riscos que estão se avolumando até o fim do ano podem demandar altas mais fortes."
Além do risco fiscal, a recessão americana também trará pressão no câmbio. Vai ser difícil manter a inflação na meta este ano, complementa Vale.
Em agosto, o IPCA-15, prévia da inflação usada como referência no regime de metas do Banco Central, desacelerou em meio à queda dos preços de alimentos e registrou alta de 0,19%, em linha com o esperado por economistas.
Segundo o economista André Perfeito, a perspectiva de variância maior que a esperada em fatores climáticos, que se traduzem agora na bandeira vermelha, é um elemento de volatilidade adicional ao conjunto de preços.
"Isso forçará a autoridade monetária a ser mais cautelosa e neste sentido reforça a perspectiva de alguma alta na SELIC já na reunião de setembro."
Para Nicola Tingas, economista-chefe da Acrefi (Associação Nacional das Instituições de Crédito, Financiamento e Investimento), as primeiras estimativas indicam efeito acentuado no IPCA de setembro e na inflação acumulada em 2024, fechando acima do teto da meta inflacionária de 4,5%.
"Com a taxa de câmbio pressionada, a inflação em alta e acima da meta e a transição na presidência do Banco Central, é plausível projetar alta da taxa Selic em setembro e possível alta até o fim do ano, cenário este que levaria a taxa para entre 11,5% e 12% ao ano em dezembro."
MUDANÇA DE BANDEIRA ERA ESPERADA
Esse é o primeiro acionamento da bandeira vermelha patamar 2 desde agosto de 2021. O motivo da medida, segundo a agência, é a previsão de chuvas abaixo da média em setembro.
A conta de luz vinha em uma sequência de bandeira verde, iniciada em abril de 2022 e mantida por mais de dois anos por conta do volume de chuvas e geração de energia renovável no país.
Mas a projeção para os reservatórios do principal subsistema para armazenamento das hidrelétricas representa uma queda de 7,7 pontos percentuais frente aos 55,7% registrados em agosto, e ocorre em meio a um período seco com chuvas abaixo da média.
O nível estimado de 48%, porém, supera as marcas registradas para setembro em vários anos anteriores, principalmente entre 2014 e 2020, quando o nível dos reservatórios nesse mês do ano variou de 23% a 40%.
Segundo Edvaldo Santana, ex-diretor da Aneel e professor titular aposentado da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), nos últimos meses as hidrelétricas têm sido muito utilizadas.
"Com isso, os reservatórios esvaziam um pouco mais rapidamente. Para minimizar esse efeito, e dsdo o regime de chuva desfavorável, torna-se necessário o acionamento de mais termelétricas. Esses eventos criam as condições para a bandeira vermelha, que deve ser duradoura."
Para ele, a bandeira vermelha 2 tende a ser mantida ao menos até novembro.
A piora nas condições de geração de energia vinha sendo monitorada. Em junho, já havia sido percebida com mais frequência a redução da disponibilidade de hidrelétricas para atendimento da carga nos períodos próximos às 18h. Em julho, o ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico) pediu para que as termelétricas ficassem de prontidão.
O ONS diz que não há risco de desabastecimento de energia no país, mas reforçou a necessidade de medidas para garantir o atendimento ao horário de pico do início da noite, quando usinas solares e eólicas perdem potência.
A agência afirma que a nova bandeira tarifária aumenta a importância da vigilância quanto ao uso responsável da energia elétrica. A orientação é para utilizar a energia de forma consciente e evitar desperdícios que prejudicam o meio ambiente e afetam a sustentabilidade do setor elétrico como um todo.
Com Reuters