Mais de uma vez é dito durante “Alice Através do Espelho" que não é possível mudar o passado, mas sim aprender com ele. O aprendizado a partir dos erros é a principal das lições morais que o filme traz para o público, especificamente o infantil. No entanto, não quer dizer que a própria produção da Disney que traz a Alice adulta leve isso em conta.
A recriação do mundo descrito por Lewis Carroll, realizada por Tim Burton em “Alice no País das Maravilhas” (2010), arrecadou mais de 1 bilhão de dólares pelo mundo e, ainda assim, foi alvo de críticas, até do público, por sua preocupação excessiva com o visual em detrimento da história.
Com o cineasta apenas na posição de produtor e deixando a direção para James Bobin, que esteve à frente dos últimos “Os Muppets”, sua continuação segue o mesmo caminho: enquanto tenta ampliar o universo dos livros do autor, mantém a diversão familiar, porém aumentando a cacofonia estética, sem a assinatura própria, acabamento técnico ou encantamento do anterior.
Tal marca fica clara no tom etéreo dado ao prólogo que mostra Alice (Mia Wasikowska, não tão frágil quanto parece) já como a capitã Kingsleigh do Wonder, navio que fora de seu pai e do qual ela herdou o comando no final do outro longa. Ao voltar de uma expedição à China, ela recebe a notícia de que Hamish (Leo Bill), a quem recusara um pedido de casamento antes e que se tornou o dono da companhia marítima, deseja impedir que a moça volte ao mar. É quando a agora borboleta Absolem (voz de Alan Rickman, em seu último trabalho antes de falecer em janeiro) a conduz, mais uma vez, ao Mundo Subterrâneo, através do tal espelho.
Lá, a Rainha Branca (Anne Hathaway ainda mais afetada nos trejeitos) lhe conta sobre a tristeza que abateu o Chapeleiro Maluco (um Johnny Depp mais contido nesta versão depressiva), após o trauma da perda de sua família ser revivido.
Para evitar o desaparecimento de seu amigo, Alice tem de pedir emprestada ao Tempo (Sacha Baron Cohen, que já trabalhou com o diretor no “Da Ali G Show”) a cronosfera que o alimenta através de seu grande relógio, porque só ela permite que a moça possa voltar ao passado e evitar uma tragédia. O problema é que a Rainha Vermelha (Helena Bonham Carter novamente se destacando) também deseja a mesma coisa.
Para os leitores de Alice Através do Espelho é notável a distância entre a adaptação e a obra original. Como o primeiro filme já incorporava elementos do segundo livro além do clássico Alice no País das Maravilhas – a exemplo do dragão Jaguadarte/Jabberwocky e da fusão da Rainha de Copas com a monarca Vermelha –, para esta sequência sobra somente o espelho como passagem.
Todo o resto da história ficou a cargo da roteirista Linda Woolverton, responsável pelo script do anterior, de “Malévola” (2014) e “O Rei Leão” (1994), que utiliza o já conhecido recurso das viagens temporais como gatilho para as tramas.
Se com isso ela engrena um bom ritmo para a narrativa a partir do segundo ato, ao despertar a curiosidade sobre o passado dos personagens, o excesso de explicações se comprova desnecessário. Talvez, a razão esteja no fato de Woolverton não sustentar esses traumas passados em bases mais firmes, da mesma forma que emprega a versão independente de Alice mais como um mero acessório ostensivo do que um revisionismo feminista.
(Por Nayara Reynaud, do Cineweb)
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