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Cena do filme |
À mesa, não se senta a família do comercial de margarina, mas representantes de 11,5 milhões de pessoas que vivem em situação de insegurança alimentar no país, segundo dados do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase).
Em preto e branco, o filme de Padilha (Ônibus 174 e Tropa de Elite) registra o cotidiano vazio de três famílias do Ceará, que aplacam a fome de seus filhos com a garapa do título, composto de água e açúcar servido às crianças para substituir o leite praticamente inexistente.
Sem trilha sonora, com câmera na mão e lentes fixas, Garapa quer que o espectador olhe de perto as estatísticas já conhecidas, durante longos e angustiantes 110 minutos.
É parte desse jogo, então, a transmissão de informações sobre mortalidade infantil e a apresentação de imagens recorrentes de crianças cobertas por moscas.
Padilha começa o filme como fez Nelson Pereira dos Santos em Vidas Secas (1963). Só que, aqui, os passos decididos do protagonista Fabiano e sua gente são substituídos pelo caminhar automático de mães, que peregrinam até o povoado mais próximo em busca de comida.
A cena documental ganha moldes de ficção graças a montagem de Felipe Lacerda (Ônibus 174, Entreatos e Se Eu Fosse Você) que, paralelamente, contrapõe a caminhada das mulheres à espera das crianças em casa.
O longa foi filmado em 2005, mas só agora chega aos cinemas. A produção foi interrompida depois que o diretor recebeu o convite para realizar Tropa de Elite (2007), vencedor do Urso de Ouro no Festival de Berlim. Mas o tempo ajudou Padilha que adquiriu agora maior visibilidade para levantar a bandeira contra a fome no Brasil e no mundo.
Garapa também tem sido visto como arma para pleitear a aprovação de um Projeto de Emenda Constitucional para transformar a alimentação em direito garantido pela Constituição.
Pela boca de personagens subnutridos, projetos como o Bolsa Família e o Fome Zero, são legitimados embora considerados insuficientes. A solução, no entanto, parece distante já que essas pessoas estão longe de se inserirem no contexto econômico de mercado, uma vez que não consomem nem o básico.
Em Garapa, o ser humano não tem autoestima, não tem sonhos e aceita, resignado, sua condição frente à vida e debita a conta à vontade de Deus. A questão é que Padilha aponta a câmera não para indivíduos, mas para um grupo de desvalidos, coeso e uniforme, que desperta a mesma compaixão que um animal maltratado.
Por mais que se tente, não se consegue enxergar as pessoas, e o material humano é mero objeto quando o que importa mesmo é o tema. Mas é mérito do filme nos fazer corar de vergonha diante do desperdício e da banalização do consumo de alimentos nos restaurantes da vida.
Reuters
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