quarta-feira, 5 de maio de 2010

Biografia conta bastidores da carreira de Van Morrison

Terra

Se você quiser descobrir que tipo de cantor Van Morrison era em sua infância em Belfast, norte da Irlanda, ou as fofocas que ex-integrantes de sua banda têm sobre ele, não vá procurar em When That Rough God Goes Riding. O crítico de cultura Greil Marcus não escreve biografias tanto quanto ruminações. O subtítulo de seu livro, Listening to Van Morrison, fornece seu objetivo-chave aqui: ouvir, ponderar, a música de Morrison.

Morrison, uma celebridade do rock and roll, teve uma longa carreira, marcada por muitos sucessos memoráveis (canções como Brown-Eyed Girl e Domino), bem como alguns esforços esquecíveis (alguém se lembra de seu álbum Inarticulate Speech of the Heart?). O muitas vezes irascível, sempre idiossincrático, músico explorou uma variedade de estilos (do inicial rock de garagem, passando pelos dias de R&B, até suas investidas tardias no jazz e no skiffle) e embarcou em inúmeras jornadas espirituais ao longo dos anos, fazendo dele o tema perfeito para o estilo analítico e abrangente de Marcus.

Marcus começa e essencialmente termina o livro com o show em Berkeley de 2009, onde Morrison apresentou seu lendário álbum Astral Weeks na íntegra, e vai saltitando pela carreira do cantor em ordem não-cronológica. A maioria dos capítulos tem títulos de músicas ou álbuns de Morrison; eles são como riffs, permitindo que Marcus entre num amplo espectro de assuntos, como fez em livros sobre Bob Dylan, Elvis Presley e Sex Pistols.

Além de realizar comparações naturais com a música de Bob Dylan (que Marcus menciona com frequência) e o R&B americano, ele também associa a música de Morrison, ao longo do livro, com obras tão díspares quanto o romance de Raymond Chandler A Irmãzinha, o filme de François Truffaut Jules e Jim ¿ Uma Mulher para Dois, e o estudo do geólogo Kevin Dann "Traces on the Appalachians: A Natural History of Serpentine in Eastern North America". Ele cita o trabalho acadêmico de Dann, por exemplo, para enfatizar o pensamento de Morrison de que o blues da América veio da Escócia, não da África, e sugere que "essa teoria excêntrica (...) pode ser verdade."

De modo similar, Marcus não apenas coloca a memorável canção "Madame George" sob um microscópio para analisar a letra, o canto e a musicalidade, mas também examina seu uso em um filme de 2005 de Neil Jordan, "Café da Manhã em Plutão", e traça comparações com o livro britânico do século 19 "Confissões de um Comedor de Ópio", de Thomas De Quincey.

Num capítulo sobre "The Healing Game" (o disco de 1997 que contém a canção usada como título do livro, "When That Rough God Goes Riding"), Marcus tece uma análise do vocalista texano dos anos 1920 Gene Austin, bem como do Fleetwood Mac antes de Buckingham e Nicks, e do pouco conhecido cantor de blues Mattie May Thomas, de uma forma que não faz o leitor achar que ele está simplesmente exibindo seu conhecimento. Sua habilidade de unir crítica musical sagaz, perspectiva histórica e uma análise mais ampla do gênero faz de sua obra uma leitura aventureira.

Na introdução do livro, Marcus apresenta o conceito de "yarragh em sua voz" ¿ citando o estimado crítico Ralph J. Gleason, que, por sua vez, fazia menção ao grande tenor irlandês John McCormack. O "yarragh", segundo McCormack, é o que eleva uma voz de muito boa para importante. É uma ideia que Marcus retoma ao longo do livro, ao examinar Morrison e apontar instâncias em que ele possui ou não tal qualidade. "O yarragh não é", segundo Marcus, "algo que Morrison consiga sempre que tem vontade."

Marcus localiza o "yarragh" de Morrison no sublime álbum "Astral Weeks" (um disco que ele admite ter ouvido mais do que qualquer outro), em sua canção adorável "Tupelo Honey" e numa apresentação ao vivo de rádio do "Just Like a Woman" de Dylan ¿ para citar alguns exemplos. No entanto, Marcus ignora uma grande parte da produção de Morrison ¿ os 16 álbuns lançados entre 1980 e 1996 ¿ e critica o cantor por suas interpretações especialmente insípidas e sem vida desse período (como seu álbum de jazz, "How Long Has This Been Going On"), o que ele considera bastante curioso, porque Morrison costumava interpretar músicas de seus ídolos, como Ray Charles ou Hank Williams.

Marcus não tenta resumir de modo ordenado a vida e carreira de Morrison, mas fornece muitos insights instigantes sobre esse artista enigmático, e seu turbilhão de referências resulta numa meditação fascinante a respeito da obra de Morrison. Ficamos com vontade de nos retirar para ouvir os álbuns de Morrison e ir atrás de todas as gravações não-autorizadas às quais Marcus se refere no livro, em busca do esquivo yarragh.