William Hill, bombeiro diagnosticado com câncer após um exame de sangue experimental, em Brockton, Massachusetts -
- Especialistas dizem que pesquisa sobre eficácia é limitada e que malefícios são desconhecidos
- Médicos nos EUA prescrevem testes, que não são regulamentados, como tratamento adicional
Na primavera de 2021, a oncologia estava em polvorosa com uma pesquisa. Ela sugeria que um simples exame de sangue para detecção precoce poderia identificar dezenas de tipos de câncer, incluindo muitos para os quais não existe rastreamento de rotina.
Quatro anos e meio depois, a repercussão só aumentou: a fabricante do exame, batizado de Galleri, divulgou novos dados sugerindo que seu desempenho havia melhorado.
Hoje, diversas empresas competem para desenvolver exames para detecção de câncer. E embora nenhum tenha sido aprovado por órgãos reguladores federais —e custem centenas de dólares—, as pessoas continuam buscando esses exames por meio de empregadores, clínicas particulares e centros acadêmicos.
A Grail, empresa que fabrica o Galleri, diz que um total de 420 mil exames foram prescritos até o momento. A empresa planeja solicitar a aprovação da FDA (Food and Drug Administration, equivalente à Anvisa no Brasil) no próximo ano e investiu milhões em lobby para a aprovação de uma lei que autorize o Medicare a cobrir os exames.
Mas, apesar da demanda, há poucas pesquisas sobre a eficácia dos testes e se os benefícios superam os possíveis malefícios. Além disso, a área médica ainda não está preparada para interpretar os resultados, com médicos preocupados em como avaliar resultados positivos. Há também uma insegurança quanto à cobertura dos planos de saúde durante o acompanhamento oncológico. "Parece que o avião está sendo construído em pleno voo", afirma Cristian Tomasetti, diretor do Centro de Prevenção, Detecção Precoce e Monitoramento do Câncer do City of Hope.
Quando o câncer é detectado em seus estágios iniciais, geralmente é mais fácil tratá-lo. "Quando você descobre um câncer em estágio inicial e consegue curá-lo, é emocionante. Especialmente quando não existe um exame de rastreamento", afirma Elizabeth O’Donnell, diretora de uma clínica de detecção em Boston
O bombeiro William Hill, 56, fez um teste da Galleri no ano passado, durante uma conferência para bombeiros, que frequentemente são expostos a diversos agentes cancerígenos no trabalho.
Seu sangue foi enviado para um laboratório na Carolina do Norte, onde fragmentos de DNA foram extraídos e analisados em busca de padrões que indiquem a presença de câncer e, em caso afirmativo, qual o tipo. Duas semanas depois, Hill recebeu o resultado: câncer detectado. "Eu esperava que estivesse errado", diz ele, que já havia sido tratado de um câncer testicular.
Mas ele descobriu que estava certo depois de fazer mais exames e uma tomografia. Os resultados mostraram câncer testicular metastático. Ele iniciou o tratamento imediatamente.
Hill também percebeu que a dor nas costas e a frequência urinária que vinha sentindo antes do exame de sangue eram resultado de uma massa pressionando seu rim. Na época, ele atribuiu os sintomas à idade avançada e ao trabalho.
"Se eu não tivesse feito aquele exame, provavelmente não teria suspeitado de câncer. Teria esperado e a massa no meu abdômen teria crescido", afirma.
Casos como o do bombeiro oferecem esperança, mas ainda não há evidências de que esses exames reduzem o risco de morte pelos cânceres que detectam. Há evidências para o rastreamento de câncer de mama, colo do útero e pulmão, por exemplo, e elas decorrem de grandes estudos clínicos controlados que levam anos para serem concluídos.
Estudos liderados pela Grail e outros fabricantes de testes forneceram a maior parte das evidências até o momento. No estudo mais recente da empresa, 99% das aproximadamente 23 mil pessoas examinadas com o Galleri obtiveram um resultado negativo. Quatro em cada dez resultados positivos foram posteriormente considerados falsos. O teste deixou de detectar 60% dos cânceres que foram identificados dentro de um ano, detectando o câncer em 40% dos casos.
Joshua Ofman, presidente da Grail, afirmou em entrevista que a taxa de falsos positivos do teste Galleri foi muito menor do que a de alguns testes convencionais de rastreamento de câncer (0,4% dos testados, em comparação com cerca de 10% para mamografias, por exemplo). Ele também afirmou que o teste tinha menos probabilidade de detectar cânceres de crescimento lento.
A Grail divulgou dados de seu estudo mostrando que o Galleri detectou pouco mais da metade dos cânceres em estágios iniciais, taxa semelhante à quantidade detectada sem o teste, diz Etzioni, que realizou uma análise preliminar, ainda não publicada, de dados nacionais sobre câncer para comparação.
Mesmo que os testes detectem cânceres mais cedo do que os exames convencionais, não está claro se eles salvarão vidas. Os cânceres podem nunca se tornar fatais, ou ser tão agressivos que não respondam ao tratamento, independentemente do estágio, afirma Scott Ramsey, diretor do Instituto Hutchinson de Pesquisa de Resultados do Câncer.
Com o diagnóstico antecipado, vem o tratamento antecipado, que custa caro tanto para os indivíduos quanto para o sistema de saúde. Um exemplo é o teste de antígeno prostático específico (PSA) para câncer de próstata. Houve um entusiasmo considerável na década de 1990 pelo uso do teste como ferramenta de rastreamento.
"Retiramos muitas próstatas de homens com base em testes de PSA e na detecção de câncer de próstata em estágio inicial, o que os deixou com impotência e incontinência para o resto da vida", relembra Ramsey. Posteriormente, estudos mostraram que a cirurgia não melhorava as taxas de sobrevida para homens com cânceres menos agressivos.
Alex Krist, médico de família da Virginia Commonwealth University, integra de um estudo nacional financiado pelo Instituto Nacional do Câncer para avaliar os exames de detecção precoce. Segundo ele, as pessoas inevitavelmente enfrentam ansiedade com um resultado positivo, mesmo que exames de acompanhamento não indiquem possibilidade de câncer.
Por enquanto, associações médicas não recomendam os testes. Alguns médicos os oferecem; outros são cautelosos, ajudando a avaliar resultados trazidos por pacientes de outros locais ou oferecendo os testes apenas como parte de pesquisas.
O estudo do Instituto Nacional do Câncer, do qual o Krist faz parte, visa avaliar a viabilidade de um ensaio clínico randomizado e controlado em larga escala, para medir o efeito do teste na mortalidade por câncer.
Krist afirma que está começando a receber perguntas de pacientes sobre o teste e se eles devem fazê-lo. Ele responde que não, a menos que participem de um ensaio clínico.
The New York Times

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