domingo, 7 de dezembro de 2025

Consumo de ultraprocessados e índices de obesidade aumentam em crianças, diz Unicef

 

                                              /Folhapress 

  • Análise reúne evidências científicas recentes sobre o assunto

  • Vendas desses alimentos cresceram em países de alta, média e baixa renda




Dados compilados pelo Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) lançados nesta quarta-feira (3) mostram o aumento no consumo de alimentos ultraprocessados entre crianças e adolescentes no Brasil e no mundo nas últimas décadas. A tendência de crescimento é associada a uma alta nos índices de sobrepeso e obesidade.


Embora os países de alta renda apresentem os maiores níveis de consumo, a ingestão de AUPs —termo para alimentos ultraprocessados cunhado pelo pesquisador Carlos Monteiro— tem aumentado em países de média e baixa renda.


A análise, que reúne as evidências científicas mais recentes sobre o assunto, aponta que, em países de baixa e média-baixa renda, as vendas médias anuais per capita de AUPs aumentaram cerca de 15% entre 2007 e 2022.


Já em países de média-alta renda, cresceram cerca de 20%. A revisão reúne análises assinadas por instituições de referência, como a USP (Universidade de São Paulo), Instituto Nacional de Saúde Pública do México, Universidade de Sidney e Universidade de Gana.


Dados referentes ao Brasil apontam que, entre 1987 e 2015, as compras domiciliares de AUPs aumentaram de 10% para 23%. A tendência, segundo os pesquisadores, é parte de uma transformação mais ampla nas dietas, onde os AUPs estão se tornando mais dominantes nos sistemas alimentares.


De forma geral, os adolescentes lideram o consumo em ingestões de AUPs nos países em relação a adultos e idosos. A exceção é para Indonésia, Argentina, Canadá, Chile e Brasil. Nesses países, mostra o relatório, crianças mais novas foram os maiores consumidores dos ultraprocessados.


O consumo é expresso como porcentagem da ingestão calórica total. No Brasil, a ingestão representava 21% das calorias totais para crianças de 6 a 23 meses e 30% das calorias totais em crianças de 2 a 5 anos, conforme estudos transversais nacionais realizados entre 2004 e 2019. Já os adolescentes (10 ou mais) tiveram ingestão de 19,6%, conforme dados rastreados de 2008 a 2018.


O cenário está ligado à crise global da obesidade infantil, aponta o relatório. Globalmente, entre 2000 e 2022, o número de crianças e adolescentes em idade escolar (5 a 19 anos) com sobrepeso e obesidade dobrou, passando de 194 milhões para 391 milhões.


São consolidados os estudos que sugerem relações entre o consumo de ultraprocessados e problemas de saúde, como obesidade, colesterol alto, distúrbios endócrinos. Até impactos na saúde mental já foram associados aos ultraprocessados.


O relatório traz ainda evidências emergentes que relacionam o consumo desses produtos a formas de má nutrição por aumentar o risco de subnutrição e deficiências de micronutrientes, ao atraso no crescimento, anemia e maior risco de diabetes tipo 2 na vida adulta.


O estudo tem como referência a classificação Nova, forma de sistematização que categoriza os alimentos pelo grau de processamento e que surgiu na Faculdade de Saúde Pública da USP (Universidade de São Paulo). Segundo a Nova, os alimentos podem ser in natura, ingredientes culinários processados, alimentos processados e ultraprocessados. Esses últimos são produtos gerados a partir do fracionamento de alimentos.


Segundo Stephanie Amaral, especialista em Saúde e Nutrição do Unicef no Brasil, os ultraprocessados se diferenciam porque tendem a ter pouca quantidade de alimentos de verdade, aqueles que podem ser encontrados na nossa cozinha. Corantes e emulsificantes, por exemplo, são usados para tornar o alimento mais palatável e são pouco nutritivos, de forma geral.



"É um alimento que hoje é barato, altamente disponível e está se tornando a maior parte da nossa alimentação. Isso não é culpa do indivíduo, o nosso ambiente alimentar é permeado por esse tipo de alimento, que não tem como competir com um alimento in natura. É mais barato e prático", diz Amaral.


Segundo o relatório, os AUPs, ricos em aditivos e altos teores de açúcares e gorduras saturadas, podem contribuir para a neuroinflamação e o estresse oxidativo, o que pode prejudicar a plasticidade cerebral e a função executiva. Além disso, os desequilíbrios de nutrientes, como ferro e zinco, induzidos pelo consumo podem comprometer o desenvolvimento cognitivo.


Isso não se aplica, no entanto, a qualquer alimento processado, reforça Amaral.


Uma revisão recente destacou que o impacto na saúde desses alimentos e bebidas varia dependendo de sua categoria. Produtos como bebidas açucaradas podem afetar negativamente a saúde, mas anível de processamento de alimentos pode melhorar a segurança alimentar, estender a vida útil e reduzir o desperdício de alimentos. Isso provavelmente inclui o uso de aditivos, como emulsificantes, realçadores de sabor, conservantes, ácidos alimentares, corantes e fermentos.


O relatório da Unicef foi divulgado após uma série de três artigos publicados na revista The Lancet afirmar que o avanço do consumo de alimentos ultraprocessados no mundo representa uma ameaça crescente à saúde pública e exige respostas imediatas em escala global.


Liderados por pesquisadores de Brasil, Austrália e Chile, incluindo o epidemiologista Carlos Augusto Monteiro, os estudos apontam que esses produtos estão substituindo os alimentos in natura e minimamente processados, o que aumenta o risco de múltiplas doenças crônicas.


Luana Lisboa

Folha de São Paulo


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