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sexta-feira, 31 de janeiro de 2020
FILME : AÇÚCAR
Ficha técnica
Nome: Açúcar
Nome Original: Açúcar
Cor filmagem: Colorida
Origem: Brasil
Ano de produção: 2017
Gênero: Drama
Duração: 88 min
Classificação: 14 anos
Direção: Sérgio Oliveira, Renata Pinheiro
Elenco: Maeve Jinkings, José Maria Alves, Dandara de Morais, Magali Biff
Açúcar abre com uma imagem que já estabelece seu tom fantástico: um barco com uma vela vermelho-sangue cruza um canavial. O som é de ondas do mar. Nele, Bethânia (Maeve Jinkings) encara a paisagem de maneira altiva e desafiadora. Ela volta ao antigo engenho de sua família, agora desativado, e se instala na casa grande, também decadente, após a morte da mãe.
Escrito e dirigido pelo casal Renata Pinheiro e Sergio Oliveira, o filme é investido de coragem e ousadia. Sua decodificação não é simples, às vezes impregnado de símbolos em excesso, mas tudo no universo dessa narrativa faz sentido. O barco simboliza os colonizadores chegando, e também os escravos que vieram logo depois. Bethânia é negra, mas finge que não – alisa o cabelo, disfarça suas origens.
Ali, ao lado de sua casa, antigos funcionários do engenho e seus descendentes receberam um pedaço de terra da propriedade e o transformaram num centro de cultura afro-brasileira. Zé (Zé Maria) é um espécie de líder que mantém contato com Bethânia e traz a ela a proposta de holandeses para comprar o local – mas ela se nega a vender.
Mais do que uma tensão de classes, Açúcar é um filme interessado numa tensão racial. Zé coloca uma amiga para trabalhar na casa grande, Alessandra (Dandara de Morais), jovem negra e orgulhosa disso – ao contrário da patroa. As duas logo batem de frente quando Bethânia trata a moça como uma escrava, e não como funcionária com direitos e deveres. Tudo se complica com a chegada da madrinha da protagonista: Branca (um nome para não deixar dúvidas do que ela representa), vinda de São Paulo, e interpretada por Magali Biff. O filme pode não ser sutil com a dinâmica que estabelece entre seus personagens, mas talvez sutilezas não possam mesmo = dar conta das relações de classe e raça no Brasil.
Branca chega de uma escada de navio no meio do canavial. Como veio essa mulher? Esse é só um dos elementos de fantasia do qual Açúcar faz uso em sua narrativa, alinhando-se a obras como Trabalhar Cansa e Boas Maneiras, que se valem do mesmo estratagema para dar conta de um nó narrativo e social que o realismo é incapaz de resolver. Em termos fílmicos, não é uma saída nada simples, pois corre-se o risco de tudo se perder, a decodificação pode ser um tanto subjetiva e o tiro sair pela culatra. A boa notícia é que aqui a dupla Pinheiro e Oliveira sa-sei bem na maior parte do tempo. Passado e presente estabelecem uma relação simbiótica que não se apoia no movimento de causa e consequência, mas de permanências: a exploração do trabalho escravo, a negação da negritude do país, o abuso (econômico, físico, emocional) promovido pela elite branca e rica.
Tudo funciona bem especialmente pela presença de Jinkings na tela. Atriz refinada, que fez seu nome no cinema recente com mulheres fortes, parece encontrar um contraponto aqui às suas personagens. Bethânia é dotada de um verniz que a embranquece, mas debaixo disso é frágil e manipulável – a madrinha faz o que bem quer com ela. Mandona com os empregados, leva ordens sem questionar de Branca. Em certa medida, Açúcar é um filme sobre essa mulher aceitando a si mesma, desconstruindo sua identidade para juntar os pedaços de outra maneira e encarar o seu futuro. Um processo que o próprio Brasil deveria fazer.
Alysson Oliveira
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