quinta-feira, 20 de junho de 2019

Filme : GRAÇAS À DEUS




Quando se olha para a filmografia do diretor francês François Ozon, o que salta aos olhos é a diversidade de estilos, a disposição de brincar com os diversos gêneros e alternar provocações e filmes mais contidos, especialmente agora que ele, aos 51 anos, entrou na maturidade.

A marca mais nítida dessa sobriedade foi atingida no drama Graças a Deus, Grande Prêmio do Júri no Festival de Berlim 2019, em que o cineasta inspira-se no escândalo verídico de pedofilia dentro da Igreja Católica de Lyon - fazendo, aliás, seu filme concomitantemente ao andamento do processo contra o padre Bernard Preynat e o arcebispo Philippe Barbarin (este, finalmente, condenado por omissão em relação aos crimes de Preynat, o que o levou à renúncia do cargo, em março de 2019).

Ozon, porém, não pretendeu concorrer com o tribunal, nem mesmo fazer um drama nessa linha. Seu foco está em dar voz a algumas das vítimas do padre Preynat (Bernard Verley) que, mais de 20 anos após os abusos que sofreram dele na infância, começam a reagir diante dos traumas.

O primeiro deles é Alexander (Melvil Poupaud), executivo do mercado financeiro. Casado, pai de cinco filhos e bastante religioso, ele começa lentamente a encarar as más lembranças dos tempos em que, quando escoteiro, sofreu avanços sexuais do padre. Ele finalmente levanta o véu do silêncio, escrevendo e-mails à arquidiocese de Lyon, onde vive e ocorreram os fatos.

As mensagens levam a um contato com uma psicóloga da arquidiocese, Régine Maire (Martine Erhel), e a um encaminhamento do caso ao arcebispo Barbarin (François Marthouret). Mas, por mais que aparente boa vontade com a história, o arcebispo não se mostra disposto a nenhuma providência mais drástica contra o padre, que continua a oficiar missas. Alexandre sente que há necessidade de uma punição ao seu algoz.

A procura de outras vítimas leva-o ao encontro de François (Denis Ménochet) - que a princípio se nega a remexer neste passado - e a Emmanuel (Swann Arlaud), este a figura que mais carrega marcas dos abusos sofridos na infância, inclusive fisicamente.

Embora se ressinta de uma certa falta de ritmo - a parte inicial, com Alexandre, é desproporcionalmente longa em relação à história dos demais -, o filme aguça o sentimento de solidariedade em relação a estes crimes, colocando ênfase não só nas figuras das vítimas, mas também nas de seus pais. É justamente a diferença de reação destes pais um diferencial na maneira como os filhos experienciaram seus traumas. Os pais e o irmão mais velho de Alexandre recusam-se a falar no assunto, enquanto os pais de François e a mãe de Emmanuel, Irene (Josiane Balasko), dão apoio constante, inclusive em sua intenção de vir a público, denunciar o caso à imprensa e processar o padre e o arcebispo.
Ficando fora do tribunal, o filme opta por colocar em foco a real questão - os crimes (não negados) de um padre pedófilo, a omissão do arcebispo, tentando acobertar a responsabilidade da instituição que deveria, acima de tudo, zelar por seus fieis e a lenta e dolorosa tomada de posição das vítimas para superar seus traumas, com ou sem o apoio dos pais. Acima de tudo, Graças a Deus é uma denúncia da omissão e do silêncio e um olhar solidário para as marcas que experiências deste tipo acarretam para aqueles que as sofreram.

Neusa Barbosa

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