quarta-feira, 1 de outubro de 2014

O Mistério da felicidade, um filme em três camadas

Veja

Há nove anos, a atriz argentina Ines Estévez resolveu abandonar a carreira e se dedicar à família e a outras paixões. Até que, no ano passado, ela recebeu um convite do diretor Daniel Burman (de O Abraço Partido e Ninho Vazio) para estrelar O Mistério da Felicidade (El Misterio de la Felicidad), coprodução entre Brasil e Argentina que tem sessões nos dias 1º e 8 de outubro, no Festival do Rio. “Eu não queria mais nada com a carreira de atriz. Mas me encantei com o projeto e, graças a ele, redescobri o amor pela profissão. Encontrei o mistério da felicidade nesse trabalho que escolhi”, diz Inés, que no filme interpreta Laura, uma mulher abandonada pelo marido e que, segundo a atriz, transita por lugares dolorosos. “Mas dessacraliza a dor.”

A história, na verdade, é a de um duplo abandono. Eugenio (Fabián Arenillas) não some apenas da vida de Laura sem dizer nada. Ele some também da vida de Santiago (Guillermo Francella), seu sócio e melhor amigo, com quem tinha uma relação quase simbiótica. Da hora em que chegavam ao trabalho à hora de irem para casa, os dois faziam tudo juntos: almoçavam, jogavam tênis, iam para a massagem, apostavam em corridas de cavalo. Entendiam-se apenas com um olhar. O sumiço voluntário do amigo é, para Santiago, inconcebível. “A ideia é que os vínculos emocionais estão sempre encapsulados por contratos, e contratos não são para sempre. É uma reflexão sobre dois personagens abandonados por um terceiro, que rompe o contrato unilateralmente”, analisa Burman.

Santiago e Laura começam uma busca por Eugenio. Querem entender suas ações. Nessa busca, descobrem aos poucos o mistério da felicidade. Ou ao menos um pouco dele. O público ri e torce pelos dois, envolvido por uma história que mescla humor e tristeza. “O filme tem três camadas. A primeira é a da melancolia. É a camada mais dura, que tem em vista que a vida é, em última instância, uma tragédia. Mas a reação a isso é a comédia, essa é a segunda camada. A terceira é a da esperança, que se sedimenta no final. Que apresenta uma saída”, diz Burman


O saldo final é alto astral, quase solar, embora previsível. O filme se ancora primeiro na amizade masculina. Depois, na crise gerada pela ruptura da rotina. Inés Estévez brilha com uma personagem com variações de humor, que abusa de antidepressivos e remédios para dormir e fala sem parar, chacoalhando a vida previsível de Santiago. Guillermo Francella também está ótimo como um Santiago perplexo ao descobrir que Eugenio não amava a vida que eles levavam.

O filme tem partes gravadas na Argentina, com equipe local, e outras, no Brasil, com equipe brasileira. “Imaginei que filmar com uma equipe em uma semana e com outra na seguinte seria traumático, mas na verdade foi libertador. Percebi que temos uma linguagem comum, que não é o portunhol. Passamos por processos de transformação social parecidos. A única dificuldade foi estrutural. Foi impossível fazer uma coprodução oficial, teve que ser privada”, comenta Burman.

Diretora do Rio Market, área de negócios e workshops sobre o mercado de cinema e TV do Festival do Rio, e produtora de O Mistério da Felicidade, Walkiria Barbosa explica que a burocracia no processo de captação de recursos no Brasil fez com que o filme fosse todo financiado sem dinheiro público. “O que se leva quatro semanas para resolver na Argentina, aqui levou nove meses. Não tínhamos como esperar tanto. Mas a gente já está em conversa avançada com a Ancine para reformulações”, diz ela, revelando que já tem nova coprodução em vista com Daniel Burman: a continuação de O Abraço Partido, longa ganhador do Urso de Prata no Festival de Berlim de 2005 nas categorias melhor ator (Daniel Hendler) e melhor diretor.

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