quinta-feira, 22 de dezembro de 2016

ESTREIA–“Capitão Fantástico” traça perfil de família libertária


Ben (Viggo Mortensen) e Leslie (Trin Miller) Cash resolveram viver uma utopia até o fim. Fugindo do mundo corporativo, do capitalismo e do consumismo, formaram uma família com seis filhos, vivendo numa cabana no meio da natureza, nas montanhas do Estado de Washington.

Seu cotidiano constitui-se de preparo físico intenso, treino de sobrevivência, trabalhos manuais, muitas leituras, músicas e conversas em conjunto, longe da Internet, da televisão, dos celulares e videogames.

A crise da família acontece quando se manifesta a bipolaridade da mãe, forçando-a a viver longe deles. Um episódio dramático, que deflagra a ruptura neste mundo idealizado, retratada em “Capitão Fantástico”, segundo longa do ator Matt Ross.

O filme estreou em Sundance, iniciando uma vitoriosa trajetória em festivais, como Cannes, onde colheu um troféu de melhor direção para Ross na seção Un Certain Regard, outros prêmios em Roma, Karlovy Vary, Deauville, Palm Springs e Seattle.

Além disso, Viggo Mortensen recebeu uma indicação como melhor ator dramático no Globo de Ouro e o elenco concorre na modalidade coletiva na premiação do Sindicato dos Atores da América (SAG).

O filme detalha a atmosfera desta família anticonvencional justamente a partir da ausência da mãe. E os detalhes são saborosos, com adolescentes lendo Dostoiévski, e todos, mesmo as crianças pequenas, discutindo desembaraçadamente as diferenças entre socialismo e capitalismo e declarando suas preferências entre trotskismo e maoísmo.

Ainda que educados fora da escola, todos dominam ao menos cinco línguas. Ao invés do Natal, celebram anualmente o aniversário de Noam Chomsky, notório intelectual e ativista norte-americano E tarefas como caçar, preparar comida e lavar louça são divididas em comum. A ênfase desta educação libertária é a total independência.

O mundo lá fora, no entanto, não ficará indefinidamente à distância, especialmente quando acontece uma tragédia familiar. No velho ônibus que serve de transporte para idas ocasionais à cidade mais próxima – chamado “Steve” -, o pai embarca os seis filhos, rumo ao Novo México, onde moram seus sogros, Abigail (Ann Dowd) e Jack (Frank Langella).

A viagem transforma o filme num road movie, em que se tornam mais reais, sem deixar de ser engraçados, os primeiros contatos da trupe juvenil com a junk food – duramente combatidos pelo pai – e o primeiro amor, como no episódio vivido pelo irmão mais velho, Bodevan (George Mackay) num acampamento onde pernoitam.

O contraste de mentalidade torna-se mais nítido na visita da família pela casa da tia paterna, Harper (Kathryn Hahn), que é casada e tem dois filhos adolescentes educados de maneira diametralmente oposta aos primos da montanha. Aí é a chance de Ben mostrar, afinal, o que anda ensinando aos filhos.

Mais dura é a passagem pela casa do sogro, um empresário rico, fã de armas e que simboliza o extremo oposto dos valores da família Cash, estando disposto a desafiar sua união a todo custo.

Um dos aspectos mais interessantes do roteiro, também escrito por Matt Ross, é não banalizar o confronto entre Ben e Jack. Escapando de uma discussão maniqueísta, permite ao personagem de Viggo Mortensen experimentar uma crise e auto-análise que fazem bem ao filme como um todo, além de humanizar a perspectiva do avô.

Discutindo ideologias e símbolos da contracultura, “Capitão Fantástico” não se torna refém deles. É um saudável respiro de liberdade num universo excessivamente padronizado.

(Por Neusa Barbosa, do Cineweb)

* As opiniões expressas são responsabilidade do Cineweb

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