sábado, 9 de agosto de 2025

Livros: Como Paulo Mendes da Rocha pôs as pessoas no centro de sua arquitetura

 


                                           Piscina do Sesc 24 de Maio, em São Paulo - Rubens Cavallari -7.set.2017/Folhapress



"A gente vai colocar uma pessoa para tomar banho no meio da cidade!" Era com ênfase e determinação que Paulo Mendes da Rocha se referia à sua ideia de instalar uma piscina no topo do Sesc 24 de Maio, em São Paulo, quando o prédio do Serviço Social do Comércio ainda estava na prancheta.


Desde a inauguração da unidade, há oito anos, o intenso movimento de banhistas mergulhando a céu aberto em meio aos edifícios da região central de uma das maiores cidades do mundo indica a força de um dos princípios do arquiteto —o de construir para as pessoas.


Com os espaços em comum em mente, ele também desenhou o Museu Brasileiro da Escultura e Ecologia, em São Paulo, onde uma grande praça no nível da rua acolhe o público, e o futuro Cais das Artes, em Vitória, um centro cultural que, quando for inaugurado, terá uma esplanada de proporções generosas junto à sua entrada.


"O Paulo dizia que a cidade foi criada para que a gente pudesse conversar, se encontrar. Como ele dizia, ir ao botequim, isso só acontece na cidade. Para que serve a arquitetura? Para fazer que haja esse encontro", afirma Nuno Sampaio, diretor-executivo da Casa da Arquitectura, instituição portuguesa que publica agora um livro sobre o arquiteto, organizado por Vanessa Grossman e pelo historiador de arquitetura Jean-Louis Cohen.


"E a arquitetura numa cidade muitas vezes densa, como São Paulo, com essas grades que separam o espaço privado do espaço público, ele quis criar espaços que, sendo privados, pudessem ser do encontro do público", acrescenta Sampaio.


A generosidade com as pessoas, seja em ambientes para milhares de frequentadores ou nas casas particulares que projetou, é lembrada nas análises das obras de Mendes da Rocha que compõem o livro "Geografias Construídas". O volume de mais de 400 páginas, com lançamento no próximo dia 13, em São Paulo, reúne textos de dezenas de pensadores sobre um dos gigantes da arquitetura brasileira e mundial.


Lançado pela Casa da Arquitectura, museu e centro de estudos em Matosinhos para o qual Mendes da Rocha doou seu acervo antes de morrer, em 2021, o livro discorre sobre 12 dos principais projetos do vencedor do prêmio Pritzker, considerado o Oscar da arquitetura, incluindo residências particulares, como a Casa Gerber, em Angra dos Reis, e instituições públicas, como a Pinacoteca do Estado de São Paulo, além de uma de suas únicas empreitadas no exterior, o Museu dos Coches, em Lisboa.


São textos detalhados sobre a trajetória do arquiteto de Vitória que teve em São Paulo o seu campo de atuação —dado que quase toda a sua obra está na capital paulista—, ilustrados com desenhos, plantas, fotos de maquetes e dos canteiros de obras, um material pinçado dos cerca de 9.000 itens de Mendes da Rocha que estão sob a guarda da Casa da Arquitectura.


"A gente achou que seria interessante não escapar muito dos projetos mais conhecidos para escrever o Paulo num mapa-múndi, apresentá-lo para uma audiência que não é a brasileira", afirma Grossman, uma das organizadoras do livro. "Nas principais escolas de arquitetura, ele é um arquiteto conhecido, mas não tem a recepção do Oscar Niemeyer."


Outro projeto de Mendes da Rocha que dá bastante ênfase às pessoas, abordado no livro como um trabalho definidor de sua trajetória, é o pavilhão do Brasil na Expo de Osaka de 1970, prédio que ele concebeu pouco antes de ter seus direitos civis caçados pela ditadura militar e ser forçado a abandonar seu cargo de professor na Universidade de São Paulo.


Sobre pequenas colinas naturais na cidade japonesa, Mendes da Rocha imaginou uma grande cobertura de concreto que dá a impressão de flutuar, apesar de sua monumentalidade. O croqui reproduzido no livro mostra linhas finas na horizontal, desenhadas com delicadeza, o que naturalmente contrasta com a brutalidade da construção de toneladas de concreto, como vemos nas fotos de época.


A grande laje "ampara as pessoas com sombra numa praça modulada artificialmente, uma geografia que ele construiu", diz Sampaio, justificando o título do livro, "Geografias Construídas", uma alusão a como Mendes da Rocha enxergava os terrenos de suas obras como intrínsecos aos projetos, não só como locais onde um prédio seria erguido.


Grossman salienta que Mendes da Rocha via a geografia como a "primeira arquitetura", pensando em como o homem transforma a natureza para se instalar onde se instala e por que o faz. Ele tinha ideias filosóficas sobre a nossa presença no mundo e uma "mentalidade planetária", ela argumenta, destacando que os aspectos mais subjetivos do arquiteto são abordados no livro porque eles não eram do conhecimento de todos.


"Geografias Construídas" é o complemento a uma exposição realizada em 2023 na Casa da Arquitectura, a maior já feita sobre a obra de Mendes da Rocha, com base em seu acervo sob guarda da instituição e também organizada por Grossman e Jean-Louis Cohen, um dos principais historiadores de arquitetura moderna do mundo, que morreu antes do volume ser publicado. Embora o livro traga imagens da mostra em Portugal —que está em tratativas para talvez chegar ao Brasil— e textos de seus organizadores, ele não é um catálogo, mas sim uma publicação de referência.


Além dos projetos abordados, há textos sobre a juventude do biografado e a sua relação com o pai engenheiro, o papel do desenho no seu processo criativo e uma carta sua na qual trata das intervenções que realizou na capela de Nossa Senhora da Conceição, em Recife. Para quem se aprofunda na obra Mendes da Rocha, é um livro incontornável.

João Perassolo

Folha de São Paulo

Geografias Construídas: Paulo Mendes da Rocha

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