terça-feira, 11 de junho de 2024

João Rock mostra que as guitarras ainda comovem muitas multidões

 

Festival reuniu 70 mil pessoas, que vibraram mais com Paralamas do Sucesso e Samuel Rosa do que com os novinhos


RIBEIRÃO PRETO

Os muitos tons de laranja que tingiram o céu ao cair da noite, espelhando a terra vermelha que castigava a garganta e o nariz com a secura, lembravam que não se tratava de um festival em São Paulo ou noutra metrópole. Era o João Rock, em Ribeirão Preto, a cerca de 325 quilômetros da capital paulista.


A estrutura do evento, que chegou à sua 22ª edição neste sábado, foi parecida com a de um Lollapalooza ou The Town. Durante 14 horas, quatro palcos receberam shows de quase 50 cantores, que dividiram a atenção do público com tirolesa, roda-gigante, bungee jump, balão e todo o parque de diversão que vai além da música.


A diferença é que todos os artistas eram brasileiros e, mesmo assim, o festival conseguiu esgotar os seus 70 mil ingressos —a mesma quantidade que costuma ser oferecida para ocupar o Autódromo de Interlagos, a casa dos maiores festivais paulistanos—, num feito algo raro este ano, depois de um Lollapalooza com queda de público e do cancelamento de duas megaturnês, de Ludmilla e Ivete Sangalo.


A maioria do público, segundo os organizadores, veio da capital paulista, e apenas 20% eram de Ribeirão Preto. O que então teria levado quem já tem uma oferta ampla e diversa de festivais em São Paulo a uma viagem para o interior?


Talvez aquele que é, ao mesmo tempo, um dos pontos altos e fracos do evento —a escalação de seu line-up, que compreensivelmente pode ser visto como um antiquário, sem muita preocupação em pescar tendências ou inovar, mas que para outros é o que faz o ingresso de R$ 400 mais os custos de uma viagem valerem a pena.


É verdade que nos últimos anos a curadoria do João Rock está arejando a programação, com a criação, por exemplo, de um palco dedicado ao rap e ao trap, o Fortalecendo a Cena, onde desta vez tocaram nomes como Veigh, Teto, Wiu e Ebony.


Mas mesmo os nomes inéditos do festival são velhos conhecidos do público, caso do grupo Novos Baianos e de Marina Lima, Ney Matogrosso e Djavan, que reuniu uma das maiores plateias, que no entanto não sabia cantar nem metade de suas músicas. Marina Sena, por sua vez, liderou o grupo dos novinhos, reprisando a apresentação do ano passado com seu último disco, "Vício Inerente".


Acontece que, por melhores que tenham sido as performances desses artistas, a impressão é a de que a maior parte do público estava ali para assistir aos artistas clássicos do João Rock, que se apresentam quase todo ano.


Prova disso foi o show do Paralamas do Sucesso. Não houve quem ficasse parado ou de boca fechada ao som de Bi Ribeiro, João Barone e Herbert Vianna. O trio emendou um hit atrás do outro, todos cantados a plenos pulmões pela plateia de dezenas de milhares de pessoas, das mais alegres, como "Óculos", às mais melancólicas, caso de "Lanterna dos Afogados".


Situação parecida aconteceu com o CPM 22, que se apresentou em seguida, incendiando a plateia logo ao abrir o show, com "Um Minuto para o Fim do Mundo", sob os vocais intactos de Fernando Badauí, que não precisou recorrer a saudações repetitivas à plateia para gerar entusiasmo.


Samuel Rosa, que subiu ao palco sozinho pela primeira vez, após o fim do Skank, que encerrou as atividades no ano passado, não deixou de fazer como o festival e apostar no que é certo.


Em vez de aproveitar a oportunidade para divulgar seu álbum solo —"Rosa", que deve ser lançado no fim do mês—, o mineiro cantou apenas uma música do novo projeto —a explicativa "Segue o Jogo"— e preferiu montar a apresentação a partir de sucessos incontornáveis, como "Vamos Fugir" e "Jack Tequila".


Já de madrugada, por volta das 2h, o evento foi encerrado por Emicida e Pitty, que se apresentaram juntos, ora se revezando no palco para cantar alguns de seus sucessos, ora dividindo o microfone para entoar outros. Assim, no João Rock, foram as figurinhas repetidas as que mais brilharam, fazendo todo show virar um grande karaokê a céu aberto.


Em rodas de conversa entre um show e outro, alguns visitantes se lembravam das primeiras edições do festival. Tinham a trilha sonora ideal para isso, afinal. Em 2002, quando o João Rock surgiu, o CPM 22, criado em 1995, estava no auge. O Skank, ainda que um pouco mais velho, de 1991, soava como novidade, numa época em que os sucessos não eram tão efêmeros como hoje, na era das dancinhas do TikTok.


Foi como se, mesmo que apenas por algumas horas, os dias mais felizes, de sua adolescência, quando havia menos problemas e boletos, tivessem voltado. E se por um lado o entusiasmo ainda possa ser insuficiente para dizer que o rock está plenamente vivo, por outro é plausível afirmar que ele talvez não esteja tão morto quanto parece.


Embora não ocupe mais o topo de nenhuma parada nas plataformas de streaming, os clássicos do gênero ainda reúnem, entre a ressaca dos grandes festivais e turnês e numa cidade interiorana, 70 mil pessoas. Não é pouco.


O jornalista viajou a convite do festival

Nenhum comentário:

Postar um comentário