sexta-feira, 29 de abril de 2022

Governo propõe retirar da meta fiscal operações que usam precatórios da União como moeda de troca

 


Estadão

BRASÍLIA 


O governo propôs ao Congresso retirar da meta fiscal do ano que vem o impacto negativo nas finanças públicas das operações de “encontro de contas” do pagamento dos precatórios, dívidas judiciais que a União é obrigada a bancar depois de condenações na Justiça.



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A proposta foi incluída no projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2023, enviado ao Congresso há duas semanas, que prevê um rombo de até R$ 65,9 bilhões nas contas do governo federal.


Sem o abatimento dos acordos no Orçamento, essa previsão de rombo teria de ser maior para acomodar o impacto dessas operações, já que não se sabe de antemão qual será o seu alcance.


A meta fiscal é uma estimativa feita pelo governo da diferença entre receitas e gastos esperados para o ano seguinte. Ao estabelecer um valor, o governo assume um compromisso público de equilibrar as contas e manter a dívida pública sob controle.


O governo é obrigado por lei a cumprir a meta e o presidente da República pode ser responsabilizado em caso de descumprimento.


O chamado “encontro de contas” é um dispositivo que permite ao governo aceitar precatórios como moeda de pagamento na venda de imóveis, a outorga dos leilões de concessões, aquisição de ações de estatais privatizadas e na compra de direitos sobre a parte da União no excedente de petróleo do pré-sal (cessão onerosa).


O governo quer estimular essa negociação para evitar a formação de uma bola de neve de despesas de precatórios depois que o Congresso aprovou uma emenda constitucional aprovada no final de 2022, que autoriza a postergação todos os anos de uma parte do pagamento dos precatórios.


Com o encontro de contas, o Ministério da Economia pretende diminuir o volume de precatórios que terão o pagamento adiado, um dos principais riscos para as contas do próprio governo.


Essas operações ainda não foram regulamentadas. A publicação de um decreto está sendo esperada pelo mercado para dar início às negociações. Para 2022, a LDO não permite o abatimento da meta fiscal, de déficit de até R$ 170,4 bilhões.


“Não há impacto na dívida bruta”, disse ao Estadão/Broadcast o secretário do Tesouro Nacional, Paulo Valle. Como há uma troca de ativos entre o devedor (União) do precatório e os credores, não há fluxo financeiro envolvido em nenhum dos casos. Segundo ele, o objetivo é dar maior grau de transparência, e o primário será divulgado conforme a metodologia internacional. "A meta deixará mais claro o efeito do encontro de contas", afirmou.


O efeito negativo acontece porque, para a contabilidade pública, há receitas que são financeiras e não entram no resultado fiscal. É o caso da venda de ações de empresas estatais, privatizações e o pagamento de dívidas pelos Estados e municípios. Por outro lado, o gasto que o governo faz pagando os precatórios é sempre contabilizado como uma despesa primária.


O secretário explicou que o abatimento é necessário porque não há muita previsibilidade para os anos futuros do tamanho da demanda dessas operações. “São tantos cenários de modalidades que preferimos tirar da meta”, justificou.


Em 2022, o governo calcula um o potencial máximo do impacto desses acordos de encontro de contas no resultado fiscal é de R$ 34,8 bilhões. Mas a meta desse ano tem folga, mesmo com o corte de tributos de R$ 50 bilhões já feito. “Não queremos que essa dívida de precatórios se acumule lá na frente para não virar uma bola de neve”, disse Valle.


O Ministério da Economia não diz abertamente, mas, na prática, uma meta com déficit menor diminui a pressão por medidas que reduzam a receita do governo, retardando o caminho para zerar o déficit fiscal. Em 2023, será o décimo ano consecutivo em que as contas fecharão no vermelho.


Na mira do TCU

Membros do Tribunal de Contas da União (TCU) não tinham conhecimento da proposta e aguardam os detalhes técnicos para fazer uma avaliação. Entre eles, há uma preocupação de se abrir brecha para repetição de erros do passado.


Durante o governo do PT, os investimentos no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) eram abatidos da meta fiscal. Auditores lembram que o Tribunal foi crítico na época do abatimento do PAC da meta fiscal. Eles destacam, porém, que o abatimento não era ilegal, pois era definido na LDO.


Sem conhecimento dos detalhes, técnicos veem paralelos com a proposta da meta fiscal flexível, que chegou a ser sugerida pelo governo Bolsonaro no PLDO 2021, enviado ao Congresso em 2020, no início da pandemia, que acabou não acontecendo.


Na avaliação do consultor de orçamentos do Senado Vinicius Amaral, especialista em direito financeiro e contas públicas, dada a natureza do encontro de contas, faz sentido conferir um tratamento particular às operações. “No entanto, entendo que seria conveniente fixar algum limite - ainda que elástico - para o impacto primário dessas operações, visando aprimorar a transparência e reduzir riscos fiscais”, afirmou.


“Não é incomum que as leis de diretrizes orçamentárias contenham tratamentos especiais para certas despesas para fins da fixação da meta de resultado primário do exercício. As LDOs de 2021 e 2022, por exemplo, permitiram o abatimento da meta de algumas despesas relacionadas à pandemia, e LDOs mais antigas também autorizaram desconto de despesas do PAC”, ponderou Amaral.

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