segunda-feira, 30 de setembro de 2019

'Pacificado', filme brasileiro, vence o Festival de San Sebastián


Jornal do BrasilRODRIGO FONSECA*, cadernob@jb


Gol do Brasil na Espanha, na conclusão da 67ª do Festival de San Sebastián: “Pacificado”, um drama sobre a realidade de moradores das comunidades do Rio de Janeiro das UPPs, sai do País Basco com a Concha de Ouro, o troféu mais disputado do evento. É a primeira vez que a láurea, uma das mais cobiçadas pela indústria do audiovisual, vai para um filme brasileiro – ainda que este projeto seja dirigido por um americano (mas radicado em solo carioca há anos), Paxton Winters, e produzido por um cultuado realizador da seara indie dos Estados Unidos, Darren Aronofsky (de “Cisne Negro”). “É um trabalho coletivo com moradores do Morro dos Prazeres, que tenta observar o que se passa por lá, sem tratar a violência como algo sensual. É um filme do ponto de vista de mulheres das comunidades”, disse Winteres ao JB, ao falar da escolha da veterana Léa Garcia para o elenco e da estrela da TV Débora Nascimento.


Com a grife da Fox em sua abertura, “Pacificado” recebeu ainda do júri presidido pelo diretor irlandês Neil Jordan (“Traídos pelo desejo”) as láureas de melhor fotografia (para Laura Merians) e melhor ator, para o devastador desempenho de Bukassa Kabengele. O resultado coroa com o prêmio maior da prestigiosa maratona cinéfila basca o empenho do cinema brasileiro em preservar sua dignidade e sua glória em tempos de ameaça ao setor. Em 2019, tivemos curtas e longas laureados na Berlinale (“Rise” e “Espero a tua (re)volta”), Cannes (“Bacurau”, “A vida invisível de Eurídice Gusmão” e “The Lighthouse”), Locarno (“A febre”) e Veneza (“Babenco: Alguém Tem que Ouvir o Coração e Dizer Parou”). O sucesso de Paxton em terras e telas espanholas, sob o olhar de um júri presidido pelo diretor irlandês Neil Jordan (“Entrevista com o Vampiro”), demarca a importância da reciclagem ética e estética das representações de favela. “Passei anos morando na Turquia, dirigindo documentários e programas de TV, como jornalista e cineasta, e lá conhecia Darren, em um festival. Ficamos amigos e ele acabou participando desse projeto que nasceu da minha vivência no Brasil e das amizades que travei no Rio. Fui morar na cidade atrás de uma namorada. O relacionamento acabou, mas eu fiquei e tentei, no ‘Pacificado’ ser um catalizador para as histórias que ouvi”, disse Winters, que escalou Kabengele e Débora para viverem os pais da jovem Tati, papel da estreante Cássia Nascimento.

Na tensa narrativa construída por Winteres, Tati enfrenta os dilemas da adolescência numa favela assolada pela volta da máquina de controle das Unidades de Polícia Pacificadora em meio ao desmonte das celebrações dos Jogos Olímpicos de 2016, na dita Cidade Maravilhosa. O local onde ela vive é chefiado por um traficante casca grossa (José Loreto), que herdou o comando de Jaca, papel de Bukassa. Ele foi um líder de tráfico impiedoso com os inimigos, mas doce com os moradores, que desistiu do crime ao longo dos 14 anos em que esteve preso. Mas a volta dele a seu antigo lar é coroada pela notícia de que tem uma filha adolescente, Tati, com quem precisa aprender a conviver em meio a uma guerra armada ao seu redor.

“Esse filme foi feito com uma câmera só, então a gente tinha que está consciente e presente a todo tempo. Então mesmo que no silêncio você está ali pulsando, trocando, está sentindo o outro. Até para entender quando você interfere no silêncio do outro, para criar aquele diálogo”, lembra Débora, que tem uma atuação visceral ao lado de Kabengele.

Mas houve mais prêmios na festa de conclusão do evento, que exibiu o esperado “Coringa”, de Todd Phillips. Nas demais categorias a Espanha brilhou soberana. Aitor Arregi, Jon Garaño e Jose Mari Goenaga, um trio de pratas da casa, dividiu o troféu de melhor direção pelo festejado “La trinchera infinita” (“The Endless Trench”, laureado ainda com o prêmio da crítica e o prêmio melhor roteiro. A trama fala de um casal que passa 33 anos escondido em sua casa para evitar reações hostis das hordas franquistas. Nascida em Barcelona, Greta Fernández foi eleita melhor atriz por “La hija de um ladrón”, em empate com a alemã Nina Hoss, por “Das Vorspiel” (“The Audition”). Antenados com pleitos de releitura sobre a forma de representar as mulheres na telona, Jordan e seus jurados contemplaram o tocante “Próxima”, da francesa Alice Winocour, com o prêmio especial do júri. Nele, Eva Green vive uma astronauta dividida entre seus compromissos com o espaço e seus afazeres como mãe

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