sábado, 24 de agosto de 2019

Filme : Entre Tempos


Que animal cinematográfico estranho é o italiano Entre Tempos, uma mistura de Terrence Malick e Alain Resnais com Brilho eterno de uma mente sem lembranças, para uma época da pós-verdade pós-new-age pós-moderna. Escrito e dirigido por Valerio Mieli, esse é um filme lindo de se ver, mas cuja beleza desmorona se não comprarmos seu confuso jogo narrativo, um tanto artificial e pueril.

Ele (Luca Marinelli) e Ela (Linda Caridi) recontam sua história de amor, às vezes conflitante, sob a perspectiva de cada um. Não existe uma narrativa única, tudo depende de um ponto de vista e os fragmentos soam, em alguns momentos, quase como uma colagem gratuita. Houve traição? Houve cumplicidade? Houve sacrifícios? Enfim, houve amor entre eles?

Ao recusar nomear esse homem e essa mulher, Mieli aspira dar-lhes uma universalidade, esquecendo-se das especificidades de toda e qualquer pessoa no mundo. O resultado é um casal lindo e um tanto irritante, seja com sua alegria ou com suas brigas. É o tipo de casal com quem praticamente ninguém quer conversar numa festa porque eles, sejamos francos, são chatos. Mas o filme está enamorado deles, e são filmados de maneira exaustivamente bonita, até quando brigam.

Eles se conhecem numa festa e logo se apaixonam. Entre o amor e as brigas, ainda encontram tempo para filosofar: para Ela, existe apenas o presente; para Ele, não. Os dois passam a morar no apartamento onde Ele cresceu, que lhe traz lembranças tristes, mas tudo bem. Até que um dia, Ele diz que o amor entre ambos se tornou amizade.

A questão central aqui é a volatilidade da memória que permite a (re)criação de narrativas díspares. Ele lembra de um jeito; Ela, de outro. E assim vai. Tecnicamente o filme tem mais a dizer do que em termos de enredo. A fotografia de Daria D'Antonio enquadra imagens oníricas, enquanto a montagem de Desideria Rayner é desorientadora. Obviamente, nada disso é por acaso, mas, ao final, é impossível não pensar no triunfo da técnica sobre a substância. Entre Tempos é um filme que parece ser (e aspira a ser) profundo, mas o que fica é tão vago e confuso quanto as lembranças d’Ele e d’Ela.
Alysson Oliveira

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