quarta-feira, 13 de março de 2019

TRAILER : O REI DE ROMA - FILME 2019 - TLEGENDADO


CineWeb


É possível obter uma certa leitura da Itália através dos filmes de Daniele Luchetti, um experimentado diretor e roteirista, autor da comédia dramática Meu Irmão é Filho Único (2007). É com um olhar mais cético e mais cínico que ele afina a história de O rei de Roma, roteiro que assina com Giulia Calenda e Sandro Petraglia, em que se sente a inevitável contaminação do berlusconismo na sociedade italiana.

O protagonista é Numa Tempesta (Marco Giallini), bilionário gestor de um fundo multimilionário que mora sozinho num hotel – um dos muitos que ele comprou e revende pelo mundo. No momento, o empresário tem em vista um grande empreendimento no Casaquistão, onde planeja ocupar rapidamente uma paisagem vazia no meio das montanhas.

O plano, porém, terá que ser adiado. Condenado em última instância num processo de sonegação de impostos, Tempesta não pode fugir mais ao cumprimento de uma sentença que prevê prisão ou prestação de serviços comunitários. Evidentemente, o pragmático bilionário opta pela segunda via, entendendo que poderá facilmente desvencilhar-se de suas obrigações mediante propinas, como ele faz habitualmente.

Acontece que o centro de atendimento a sem-teto onde ele deve temporariamente trabalhar é dirigido por uma profissional incorruptível, Angela (Eleonora Danco). Assim, Tempesta não tem alternativa senão comparecer diariamente ao centro, onde se desincumbirá de tarefas como alimentar e lavar pessoas com dificuldades, lavar banheiros e servir refeições.

Quem tem em mente os filmes de Hollywood logo imagina que aqui se desenha uma jornada de redenção para o bilionário indiferente. Nada mais enganoso. Tempesta não muda uma vírgula de seus valores, ou da evidente falta deles. Por outro lado, não se santifica os sem-teto que com ele convivem. Eles são humanos e também enxergam no homem rico uma oportunidade.

O primeiro a vislumbrar em Tempesta uma chance de mudar de vida é Bruno (Elio Germano), trabalhador que perdeu emprego, casa e mulher e ficou na rua com o filho, Nicola (Francesco Gheghi). Ele, o “grego” (Marcello Fonte, de Dogman), o “engenheiro” (Luciano Currelli) e outros logo se tornam os fiadores de uma boa avaliação de Tempesta em sua pena comunitária em troca de uma pequena remuneração. Em contrapartida, o bilionário vê neste grupo sua oportunidade para retomar o adiado empreendimento no Casaquistão.

Há momentos em que o filme decola nessa fantasia de contraste social, como quando Tempesta leva a turma de desabrigados para passar uma noite nas instalações de seu luxuoso hotel, fazendo a festa nos salões, banheiros e mesas de jantar. Por outro lado, o roteiro não é tão feliz na composição de suas personagens femininas, como a citada Angela e o trio de estudantes de Psicologia/garotas de programa liderado por Radiosa (Simonetta Columbu).

Talvez pela falta de empatia suscitada pelo personagem eminentemente antipático de Tempesta o filme não decole o suficiente em sua proposta de um cinismo sutil – apesar de ser louvável sua tentativa de escapar da tradicional comédia redentora a qualquer preço dos pilantras deste mundo que, como sabemos, estão além da fronteira da salvação. Tempesta, afinal, é um personagem realista, assim como seu pai incorrigível (Carlo Bigini).

Enxerga-se, nas entrelinhas, um diálogo com a boa e velha comédia italiana, de Dino Risi a Ettore Scola, aqui enfrentando o desafio de ambientar-se em tempos mais cínicos e amargos, que tornam um pouco mais difícil rir de tanta esculhambação, na tela ou fora dela.

Neusa Barbosa

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