quinta-feira, 20 de dezembro de 2018

Filme :Diamantino







Vencedora da Semana da Crítica de Cannes 2018, a sátira Diamantino, do português Gabriel Abrantes e do norte-americano Daniel Schmidt, desenvolve-se num tom que mistura anarquia estilística e criativa e uma feroz ironia política.

Coprodução entre Portugal, França e Brasil, o filme divide opiniões mas certamente está ancorado na contemporaneidade em sua mistura de gêneros e tons. Constroi, em torno da figura de um famoso jogador de futebol, Diamantino (Carloto Cotta, cópia fiel de Cristiano Ronaldo), uma reflexão zombeteira sobre a vaidade vazia nas redes sociais, o cultivo da celebridade através de causas humanitárias e o refluxo de um pensamento de direita que vai do sebastianismo ao movimento hipotético por uma saída de Portugal da União Europeia.

“Portugal nunca foi pequeno” e “Diga sim à muralha” são alguns dos slogans dessa delirante versão lusitana do “Brexit”, que tem como garoto-propaganda justamente o jogador – que, assumidamente desinformado, não percebe a dimensão daquilo em que está metido. Em sua própria vida pessoal também, aliás. Ele é dominado por duas irmãs gêmeas absolutamente megeras (Anabela Moreira e Margarida Moreira), que tomam seu dinheiro e permitem que ele se torne objeto de uma experiência pseudo-científica, comandada pelo próprio governo português, para clonar o maior astro de seu futebol. A clonagem tem por objetivo “evitar que Portugal volte a cair no esquecimento”, perpetuando Diamantinos pelas próximas gerações.

Toda esta fábula anárquica é embalada em cenas impagáveis, algumas mostrando a imaginação infantil de Diamantino – que, quando joga, enxerga gigantescos cãezinhos felpudos correndo ao seu lado, envoltos em névoa cor-de-rosa.

Mas nada simboliza melhor esta ignorância política aliada ao desejo insaciável de celebridade do que a atitude de Diamantino de adotar um refugiado, depois de acolher, em seu iate, alguns náufragos que aportaram a Portugal. Por conta disso, ele acaba adotando Rahim (Cleo Tavares), na verdade, Aisha, uma agente secreta do governo português que deseja infiltrar-se em sua casa para desvendar os caminhos da lavagem de dinheiro promovida pela família do milionário jogador.

As investidas da espiã e de uma cientista maluca (Carla Maciel) que está clonando Diamantino apesar dos efeitos colaterais – como o crescimento de seios – vão moldando um filme que não se detém diante de absolutamente nada para arriscar-se nesta sátira ácida de nosso tempo, temperada na lusitanidade, que nos é muito próxima e reconhecível. O verdadeiro Cristiano Ronaldo, ao que se sabe, ainda não assistiu ao filme.

A ideia inicial desta produção, que começou a ser idealizada em 2012, não era necessariamente ter um jogador de futebol no centro e sim um ícone pop.
Com o desenvolvimento do roteiro, a história foi mudando bastante. Inicialmente, ela se passaria 70% no Brasil. Nesta versão final, foi totalmente filmada em Portugal.

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