segunda-feira, 8 de agosto de 2016

‘Revolver’, dos Beatles, 50 anos: o disco que mudou a música pop


Marcelo Moreira/Combata rock/UOL

Desde o começo já tinha alguma coisa muito diferente. Os primeiros acordes de “Taxman'', a faixa que abre o álbum “Revolver'', dos Beatles, mostram uma pegada mais forte, até mesmo mais pesada, e uma letra de protesto contra os impostos na Grã-Bretanha. Não bastasse isso, era uma música do guitarrista George Harrison, sempre preterido, que abria o trabalho, uma concessão de John Lennon e Paul McCartney.

O sétimo álbum dos Beatles em três anos condensou toda a evolução como músicos e a miríade de influências que o quarteto foi exposto e que finalmente tinham ganho a maturidade que o disco anterior, “Rubber Soul'', de dezembro de 1965, já indicava.

Ao menos uma vez na vida, em uma entrevista rara a uma revista norte-americana, Paul McCartney deu a entender que “Revolver'', que completa 50 anos de seu lançamento, era quase o surgimento de uma “outra banda''.

A afirmação não está longe da verdade. Dois singles lançados naquele período indicavam que a banda passava por mudanças sonoras e de temas – “Day Tripper'', We Can Work It Out'' e “Paperback Writer'', sendo esta última apresentando um som mais agressivo de guitarra, com riffs mais pesados e solos com mais visibilidade.

A evolução era um caminho se volta e “Revolver'' consolidou a liderança dos Beatles na vanguarda da música pop. “Pet Sounds'', dos Beach Boys, lançado em maio de 1966, e “Between the Bottons'', dos Rolling Stones, que chegou ao mercado no segundo semestre daquele ano, foram rivais à altura, mas o disco da banda de Liverpool estabeleceu novos os patamares para o rock e a música pop.

“Revolver'' empurrou todo mundo para um mundo desejado, mas desconhecido. Não era mais simplesmente um mero experimentalismo, mas uma busca insana por coisas diferentes e, muitas vezes, consideradas inatingíveis.

A progressiva “Tomorrow Never Knows'', por exemplo, é considerada um marco da psicodelia e do próprio rock progressivo antes mesmo deste existir. Foi ela que mostrou a Pete Townshend, do Who, que era possível compor uma suíte pop longa e roteirizada, como fez em “A Quick One, While He's Away'', uma miniópera lançada em dezembro de 1966, no álbum “A Quick One'', e em “Rael 1 and 2″, do álbum “The Who Sell Out'', de dezembro de 1967.

Também serviu de inspiração para que os membros do Moody Blues avançassem o sinal, quebrassem barreiras e começassem a criar aquele que viria ser o mais importante disco da banda, “Days of Future Passed'', que seria lançado no final de 1967.

Se a lisérgica “Tomorrow Never Knows'' foi o fechamento necessário para um trabalho que impulsionou a psicodelia, outras músicas mostraram ao mundo que o estúdio de gravação como era conhecido em 1966 tinha ficado muito pequeno.

“I'm Only Sleeping'' é uma sucessão de experimentos, com camadas e camadas de guitarras sobrepostas, com algumas mixadas “ao contrário''. “Got to Got Get You Into My Life'', uma ode disfarçada à maconha, ganhou um inacreditável naipe de metais, que ficou à frente, fazendo uma cama maravilhosa para o baixo de McCartney. Tornou-se um modelo de arranjos de metais para canções rock.

“She Said She Said'' ganhou um experimento radical na questão de timbres de guitarra e no registro dos vocais, mostrando novas abordagens e a “criação'' de sons – situação muito parecida na fantástica “And Your Bird Can Sing'', com seus riffs de guitarra quase hipnóticos e rasgados suportando a letra surreal de Lennon.

Se os arranjos de corda foram o diferencial do megahit “Yesterday'', do ano anterior, em “Eleanor Rigby'' se tornaram o fio condutor da composição, com sua pegada erudita e orquestração épica.  E foi aí que o Moody Blues provavelmente pegou parte da inspiração para a monumental música “Night in the White Satin''.

Até mesmo a balada “Here, There and Everywhere'' ganha mais evidência em meio a tantas pérolas por apresentar arranjos de guitarra acústica mais elaborados e intrincados dos que os registrados em “Yesterday''.

E como cereja do bolo psicodélico, o que dizer da emblemática “Yellow Submarine'', com seu roteiro surreal e repleto de imagens de sonho e pesadelo?

“Good Day Sunshine'', “For No One'' e “I Want to Tell You'' figuram como coadjuvantes em uma festa cheia de estrelas de primeira grandeza, mas que brilhariam na ponta em qualquer obra de grandes nomes do rock.

Inovador, experimental e repleto de ideias inéditas, “Revolver'' aprofundou a busca pelo chamado “conceito'' antes mesmo de alguém perceber que poderia haver um conceito ou álbum conceitual – coisa que surgiria somente no ano seguinte, com os próprios Beatles, em “Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band''.

Há quem diga que é a melhor obra dos Beatles. Outros preferem dizer que pode até não ser a melhor, mas que é a mais importante. Há ainda quem afirme que o disco inaugurou a psicodelia. Todos têm sua dose de razão, mas, evidentemente, não 100% dela.

O que dá para cravar é que “Sgt Pepper's'' é o supremo momento de genialidade da banda e do rock, mas que “Revolver'' é certamente o fato que mudou radicalmente a música dos Beatles e o rock como um todo.



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