quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Festival Pan-Africano de Cinema tem sua primeira mostra brasileira

Monique Cardoso, Jornal do Brasil

RIO - A cerimônia de abertura começa com discursos do presidente e de
ministros diante de um estádio de futebol, com capacidade para mais de
40 mil pessoas, lotado. Pelos telões, o público vê as delegações de
diversos países sendo apresentadas, no início de uma competição que
dura quase duas semanas. Olimpíada? Não. Mais uma dica: o palco é um
país da África. Copa do Mundo? Também não. É o Festival Pan-Africano
de Cinema, o Fespaco, que começa neste sábado e tem, este ano, sua
primeira mostra de cinema brasileiro.

O festival, que acontece em Burkina Fasso, tem 40 anos e 21 edições.
Conhecido como Cannes da África, dele pouco se ouviu falar no Brasil,
a segunda nação do mundo em população negra, depois da Nigéria. A
resposta para tamanho desconhecimento, o ator e diretor brasileiro
Zózimo Bulbul (Terra em transe, Ganga Zumba), que está levando 21
filmes brasileiros (longas, médias e curtas) de cineastas
afro-descendentes para lá, tem na ponta da língua.

– Na Europa, a África está nos noticiários, todo mundo sabe o que se
passa por lá, e não falo de guerra e refugiados. A gente tem 60% de
população negra e por aqui o continente parece não existir –
indigna-se Bulbul. – Falta intercâmbio entre os países africanos e o
Brasil, tanto comercial como cultural. O abismo é inexplicável.

Entre os filmes, cinco são longas e todos enfocam, por diversos
ângulos, a presença da cultura negra no Brasil: Filhas do vento e
Cinderelas, lobos e um príncipe encantado, ambos de Joel Zito Araújo;
Abdias Nascimento - Memória negra, de Antonio Olavo; Abolição, do
próprio Bulbul; e Bom dia eternidade, de Rogério Moura. Também serão
exibidas duas produções para TV. Uma delas é Tão perto, tão longe, de
Paulo Betti e da documentarista inglesa radicada no Rio Vick Birkbeck.
Trata-se de uma coprodução para o Canal Brasil rodada no próprio
festival em 2007 que acaba de ser finalizada e terá sua primeira
projeção.

– Na África eles conhecem muito do cinema brasileiro dos anos 60 e 70,
discutem com propriedades filmes como Terra em transe, Os fuzis e
Barravento. E são interessadíssimos no cinema latino – diz Bulbul, que
conheceu o Fespaco em 1997 e trouxe ao Brasil, no ano passado, o
diretor do evento para a segunda edição do Encontro de Cinema Negro
Brasil-África. – É impressionante ver como a África está se fazendo
conhecer pelo cinema, como fez a Índia e a China. Eles estão muito
interessados em saber como a cultura deles é representada nos lugares
para onde os negros foram levados séculos atrás.

Ex-colônia francesa, que faz fronteira com o Mali, Gana, Costa do
Marfim, Togo, entre outros países, Burkina Faso estava, em 2006, em
último lugar no ranking de Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da
ONU. Sem litoral, no meio do Sahel, é um dos países mais pobres do
mundo. Devido ao analfabetismo, o cinema acabou se tornando, ao lado
da música, uma das principais formas de consumo cultural. Bulbul quer
registrar em vídeo a recepção dos filmes brasileiros e também fazer
entrevistas não só com participantes do festival, mas também com
integrantes da sociedade local:

– Pretendo elaborar um documento sobre este intercâmbio e distribuir
aqui para conseguirmos estreitar o diálogo com a África.

Danny Glover no meio-fio

A comitiva reúne 12 cineastas afro-brasileiros, a atriz Zezé Motta e o
secretário do audiovisual Silvio Da-Rin. O único diretor de pele clara
a acompanhar o grupo é Paulo Betti. Ele exibiu, na última edição do
Fespaco, há dois anos, seu longa Cafundó. Agora, volta para mostrar um
filme feito lá. A idéia de rodar um documentário em Burkina Faso
surgiu na porta da casa de sua infância, em Sorocaba (SP), hoje sede
da instituição Quilombinhos, que atende crianças carentes. De lá saem,
todo carnaval, cortejos e blocos à moda antiga, com tambores,
maracatus.

– Estava com a passagem na mão. Mas o desfile das crianças naquele ano
me impressionou tanto que eu pensava que já estava na própria África –
lembra Betti. – Tinha certeza de que conhecia aquele mundo. Até que
pouco antes de embarcar encontrei o Eduardo Escorel e ele me
perguntou: “Já tomou vacina?”. Então me toquei que não era tão
parecido assim.

Tão longe, tão perto registra semelhanças e diferenças entre a cultura
brasileira e a africana, além de promover comparações entre a vida nos
dois países. Traz ainda entrevistas com artistas e cineastas de
diversos países. Na volta ao Brasil, Betti conheceu Vicky, que também
tinha vasto material rodado na Fespaco. Os dois resolveram reunir tudo
numa produção só, que depois de estrear em Burkina Faso será exibida,
ainda neste semestre, no Canal Brasil, dividido em três episódios.

– Fiquei muito impressionado com aquele festival, com a qualidade das
projeções. Tambores chamam para as sessões. Não tem jogo de poder,
vaidade... É como o um Fórum Social Mundial do cinema – compara Betti.
– O cinema africano tem se mostrado muito combativo, voltado para
questões importantes. Não tem essa coisa de gente engomadinha. Lá você
vê o Danny Glover sentado no meio-fio, conversando com todo mundo.

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