segunda-feira, 25 de maio de 2020

Pesquisadores desvendam por que covid-19 é mais grave em diabéticos

Teor mais alto de glicose no sangue serve como uma fonte de energia extra, que permite ao novo coronavírus se replicar

Por André Julião, da Agência FAPESP

Um grupo brasileiro de pesquisadores desvendou uma das causas da maior gravidade da covid-19 em pacientes diabéticos. Como mostraram os experimentos feitos em laboratório, o teor mais alto de glicose no sangue é captado por um tipo de célula de defesa conhecido como monócito e serve como uma fonte de energia extra, que permite ao novo coronavírus se replicar mais do que em um organismo saudável.

Em resposta à crescente carga viral, os monócitos passam a liberar uma grande quantidade de citocinas (proteínas com ação inflamatória), que causam uma série de efeitos, como a morte de células pulmonares.

O estudo, apoiado pela FAPESP, é liderado por Pedro Moraes-Vieira, professor do Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas e por pesquisadores que integram a força-tarefa contra a covid-19 da universidade, coordenada por Marcelo Mori, também professor da Unicamp e coautor do trabalho.

“O trabalho mostra uma relação causal entre níveis aumentados de glicose com o que tem sido visto na clínica: maior gravidade da COVID-19 em pacientes com diabetes”, diz Moraes-Vieira, pesquisador do Experimental Medicine Research Cluster (EMRC) e do Centro de Pesquisa em Obesidade e Comorbidades (OCRC), um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID) apoiado pela FAPESP, com sede na Unicamp.


Por meio de ferramentas de bioinformática, os pesquisadores analisaram inicialmente dados públicos de células pulmonares de pacientes com quadros médios e severos de covid-19. Foi observada uma superexpressão de genes envolvidos na chamada via de sinalização de interferon alfa e beta, que está ligada à resposta antiviral.

Os pesquisadores observaram ainda no pulmão de pacientes graves com COVID-19 uma grande quantidade de monócitos e macrófagos, duas células de defesa e de controle da homeostase do organismo.

Monócitos e macrófagos eram as células mais abundantes nas amostras e as análises mostraram que a chamada via glicolítica, que metaboliza a glicose, estava bastante aumentada.


As análises por bioinformática foram realizadas pelos pesquisadores Helder Nakaya, professor da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo (FCF-USP), e Robson Carvalho, professor do Instituto de Biociências de Botucatu da Universidade Estadual Paulista (IBB-Unesp).

Glicose e vírus

O grupo da Unicamp realizou, então, uma série de ensaios com monócitos infectados com o novo coronavírus, em que eles eram cultivados em diferentes concentrações de glicose.

Os experimentos foram feitos no Laboratório de Estudos de Vírus Emergentes (Leve), que tem nível 3 de biossegurança – um dos mais altos –, e é coordenados por José Luiz Proença Módena, professor do IB-Unicamp apoiado pela FAPESP e coautor do trabalho.

“Quanto maior a concentração de glicose no monócito, mais o vírus se replicava e mais as células de defesa produziam moléculas como as interleucinas 6 e o fator de necrose tumoral alfa, que estão associadas ao fenômeno conhecido como tempestade de citocinas, em que não só o pulmão, como todo o organismo, é exposto a essa resposta imunológica descontrolada, desencadeando várias alterações sistêmicas observadas em pacientes graves e que pode levar à morte”, diz Moraes-Vieira.

Os pesquisadores usaram então, nas células infectadas, uma droga conhecida como 2-DG, utilizada para inibir o fluxo de glicose. Eles observaram que o tratamento bloqueou completamente a replicação do vírus, assim como o aumento da expressão das citocinas observadas anteriormente e da proteína ACE-2, aquela pela qual o coronavírus invade as células humanas.

Além disso, usaram uma droga que está sendo testada em pacientes com alguns tipos de câncer. Assim como alguns análogos, a 3-PO inibe a ação de um gene envolvido no aumento do fluxo de glicose nas células. O resultado da sua aplicação foi o mesmo da 2-DG: menos replicação viral e menos expressão de citocinas inflamatórias.

Os resultados que indicaram maior atividade da via glicolítica frente à infecção foram obtidos por meio de análises proteômicas dos monócitos infectados, realizadas em colaboração com Daniel Martins-de-Souza, professor do IB-Unicamp apoiado pela FAPESP.

Por fim, as análises mostraram que o mecanismo era mediado pelo fator induzido por hipóxia 1 alfa. Como é estudada em diversas doenças, é sabido que essa via é mantida estável, em parte pela a presença de espécies reativas de oxigênio na mitocôndria, a usina de energia das células.

Os pesquisadores usaram então antioxidantes nas células infectadas e viram que a hipóxia 1 alfa diminuía a sua atividade e, assim, deixava de influenciar o metabolismo da glicose. Como consequência, fazia com que o vírus parasse de se replicar nos monócitos, as células de defesa infectadas, que não mais produziam citocinas tóxicas para o organismo.

“Quando intervimos no monócito com antioxidantes ou com drogas que inibem o metabolismo da glicose, nós revertemos a replicação do vírus e também a disfunção em outras células de defesa, os linfócitos T. Com isso, evitamos ainda morte das células pulmonares”, diz Moraes-Vieira.

Os estudos com linfócitos T e a análise da expressão de hipóxia 1 alfa em pacientes foram realizados em colaboração com Alessandro Farias, professor do IB-Unicamp e coautor do trabalho.

Como as drogas usadas nos experimentos com células estão atualmente em testes clínicos para alguns tipos de câncer, poderiam futuramente ser testadas em pacientes com COVID-19.

O trabalho tem como primeiros autores Ana Campos Codo, bolsista de mestrado da FAPESP; Gustavo Gastão Davanzo, que tem bolsa de doutorado da FAPESP e Lauar de Brito Monteiro, também bolsista de doutorado, todos no IB-Unicamp sob orientação de Moraes-Vieira.

“Esse trabalho só foi possível devido às colaborações, ao empenho dos alunos de pós-graduação, que tem trabalhado noite e dia nesse projeto, e ao financiamento rápido do FAEPEX [Fundo de Apoio ao Ensino, à Pesquisa e à Extensão] da Unicamp e da FAPESP”, diz Moraes-Vieira.

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