quarta-feira, 25 de setembro de 2019

Filme : Torre das Donzelas (2018)




Cine Web


Parece incrível que as cerca de 30 personagens de Torre das Donzelas, ex-presas políticas  de um setor isolado do presídio Tiradentes, em S. Paulo, nos anos 1970, tenham passado quatro décadas em quase silêncio sobre esta extraordinária experiência, um verdadeiro exercício de resistência e autogestão dentro da cadeia, em plena ditadura. Elas mesmas contam no filme de Susanna Lira que não haviam tocado no assunto nem com maridos, nem com filhos por muitos anos, algumas até agora.

Do relato destas mulheres – entre as quais, a jornalista Rose Nogueira, a fotógrafa Nair Benedito, a educadora Dulce Maia e a ex-presidenta Dilma Rousseff – emerge a descrição de suas vivências, isoladas das presas comuns, num local em que elas não só reconstruíram o espaço físico (mediante o trabalho de duas arquitetas que havia entre elas) como criaram rotinas que lhes permitiram resistir ao medo, às eventuais torturas e à imprevisibilidade do tempo que permaneceriam ali dentro, longe de filhos, maridos, familiares.

Um grande acerto do filme é evitar um tom lamentoso e também fugir do modelo tradicional das “cabeças falantes”. Evidentemente, há algumas entrevistas em separado – como foi o caso de Dilma e Ilda Martins da Silva, entre outras. Mas grande parte do documentário se vale de um dispositivo, a construção de um cenário que reproduz a “torre das donzelas” (assim chamada por seu formato e a ocupação feminina), a partir dos desenhos que elas fizeram, nenhum igual ao outro, é bom notar.

Este espaço, que ficou montado num estúdio em S. Paulo por dez dias, permitiu que as ex-colegas de cela voltassem a conviver num mesmo lugar, reproduzindo tarefas, como cozinhar juntas e conversar. Dilma não pode participar dessa vivência porque, naquele momento, defendia-se no processo do impeachment. Ela é, no entanto, uma personagem que sobressai por seu carisma para articular as memórias daquela comunidade, que usou esse tempo em comum para a própria educação pessoal e política, já que trocavam informações, livros, davam cursos de línguas entre si, resistindo à desumanização e desesperança comuns em situações de aprisionamento.

Há episódios absolutamente impagáveis, como quando elas lembram da chegada de três malas, doadas pela família rica de uma das prisioneiras, contendo vestidos de festa – coisa das mais inúteis para elas, mas que serviu para que organizassem um desfile na cadeia. O diretor do presídio, acreditando que estavam enlouquecendo, como resultado, autorizou que tomassem banho de sol a partir dali.

As presas criaram inclusive um ritual para quando uma delas era libertada, cantando a Suíte do Pescador, de Dorival Caymmi, como despedida. Ainda assim, nesta libertação havia perigos. Foi lembrado no debate do filme no Festival de Brasília, onde obteve o Prêmio Especial do Júri em 2018, que uma das prisioneiras soltas, Eleni Teles Guariba, desapareceu três meses depois. Mais do que nunca, a exibição deste documentário é importante, para contrapor com memórias de sobreviventes o horror de um período que alguns querem reimaginar.
Neusa Barbosa

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