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quinta-feira, 27 de dezembro de 2018
Filme: A PÉ ELE NÃO VAI LONGE
Depois de uma série de erros em sua carreira – incluindo The sea of trees – Gus Van Sant volta àquilo que o tornou famoso e que faz melhor: o retrato de outsiders. A pé ele não vai longe é uma homenagem à figura e ao espírito do cartunista John Callahan, com quem o diretor trabalhou no roteiro antes da morte do desenhista em 2010. O filme começou a ser gestado em meados dos anos de 1990, quando Robin Williams procurou o diretor com a biografia do cartunista em mãos. Mas só agora, com Joaquin Phoenix no papel, o projeto se concretizou.
Callahan, alcoólatra e tetraplégico, é a figura ideal para um filme. Sua arte, cujos traços eram mínimos, é subversiva, politicamente incorreta. Sua vida, um caos - filho de uma irlandesa que nunca conheceu, foi criado por freiras e em lares adotivos. O álcool foi um companheiro desde sempre, e um acidente de carro deixou-o numa cadeira de rodas.
Phoenix atravessa o filme com um risinho cínico no canto da boca, como quem ri de tudo, mas tenta sobreviver aos desastres que o acompanham. O longa começa com sua ida ao Alcoólicos Anônimos em busca de ajuda. Seguindo o programa de 12 passos, tem como padrinho Donny (Jonah Hill), um herdeiro gay e hippie, que chama seus afilhados de “porquinhos”, tornando-se uma figura central na recuperação e sobriedade do cartunista, que encontra em sua arte a melhor maneira de se expressar e lidar com suas frustrações e traumas. Mais tarde, acaba se envolvendo com sua fisioterapeuta, Annu (Rooney Mara).
O título vem de um cartum de Callahan que encapsula todo o filme: da paralisia ao humor peculiar do desenhista. Por isso, não há nada de sentimentalismo aqui – há emoção, mas não é barata, e vem da jornada do protagonista fazendo as pazes com seus fantasmas do presente e do passado. Phoenix, que teve uma interpretação avassaladora em Você nunca esteve realmente aqui, está muito bem aqui também.
Van Sant, que é mais conhecido por seu cinema avant garde – como Paranoid Park, e Garotos de programa –, é um tanto convencional nesta obra, talvez porque uma história como esta exija um cinema mais convencional do que invenções e estripulias formais.
Porém, ao organizar a narrativa pelo caminho dos 12 passos da recuperação do álcool, deixa o filme levemente engessado, perdendo um tanto do vigor e da irreverência, tão típica do trabalho de Callahan. Talvez pela ausência de Williams, Van Sant optou por um tom mais sério – embora existam momentos de humor, há também uma reverência grande ao protagonista, cujo humor e trajetória clamam pelo absurdo e o cinismo.
Alysson Oliveira
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