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quinta-feira, 23 de março de 2017
ESTREIA–“T2 Trainspotting”
Vinte e um anos depois, o quarteto de amigos de Edimburgo está de volta em “T2 Trainspotting”. Sempre com Danny Boyle no comando, o mesmo roteirista John Hodge, desta feita adaptando com muita liberdade o livro “Porno”, do mesmo Irvine Welsh, a produção sacode a poeira da nostalgia mantendo o ritmo frenético do original de 1996.
Mas, como não poderia deixar de ser duas décadas depois, o eixo do filme tem que ser a passagem do tempo e o flerte com a meia-idade, ainda que com ironia. Mark Renton (Ewan McGregor) deixa de lado Amsterdã, por onde ele andou todo este tempo, e reaparece em Edimburgo, pretendendo reencontrar os amigos.
Essa volta de Mark tem um quê de acerto de contas, que ele pretende benigno – quer compensar o prejuízo que lhes causou quando roubou sua parte num negócio com drogas que encerrava o primeiro filme. Sabe que não vai encontrar braços abertos, por isso começa com o mais inofensivo deles, o frágil Spud (Ewen Bremner).
Spud continua lutando contra o vício na heroína que, anos atrás, proporcionava as maiores emoções e também problemas à turma toda. Já Simon (Jonny Lee Miller) ultimamente anda mais envolvido com bebidas ou cocaína, sempre que lhe permitem os rendimentos obtidos com um perigoso negócio de extorsão e chantagem, que ele mantém junto com a parceira Veronika (Anjela Nedyalkova) – e que é a única personagem feminina com algum relevo nesta nova história.
June (Pauline Turner), a mulher do violento Begbie (Robert Carlyle), na verdade, só aparece para levar sustos, especialmente depois que é visitada pelo marido, que fugiu da prisão, como de hábito, cheio de fúria. E mais furioso fica quando descobre que Mark reapareceu na cidade, louco para cobrar-lhe a velha dívida.
Em parceria com o diretor de fotografia Anthony Dod Mantle e o montador Jon Harris, Danny Boyle imprime ao visual do filme uma energia compatível o primeiro filme, só que revestindo-a de uma certa melancolia. Este é seu maior acerto pois não faria nenhum sentido este reencontro ser uma redenção suave, uma reaproximação terna de quatro amigos. Impregnado do mesmo humor negro do filme original, “T2 Trainspotting” coloca em perspectiva uma violência que sempre parece muito visceral, quando se apresenta a ocasião – ou seja, quando Begbie está por perto.
O humor está nítido em sequências notáveis, como quando Mark e Simon resolvem bater carteiras num clube protestante e, para disfarçar, têm que cantar uma música – com um refrão anticatólico que delicia a plateia presente.
Se a intenção de Mark é um retorno ao passado e à própria história – e ele tem suas razões -, nem por isso se verá por aqui uma mera segunda chance. O quarteto de “Trainspotting” sobreviveu, é certo, mas não para dizer que a humanidade é sempre capaz de uma volta por cima. Na verdade, a grande graça da história está na afirmação justamente do contrário – e nem por isso os personagens do filme são menos atraentes.
Perdedores de um ambiente proletário que são capazes de tudo o que a natureza humana pode oferecer, da amizade à ternura, da baixeza à covardia, da violência ao arrependimento, eles só não têm mesmo, nem fingem ter, grandeza de heróis. Seu forte é a resistência dos sobreviventes.
(Por Neusa Barbosa, do Cineweb)
* As opiniões expressas são responsabilidade do Cineweb
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