sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

Miley Cyrus diz que suas ousadias se tornaram o que todos esperam

JON CARAMANICA
DO "NEW YORK TIMES"
Em 2013, Miley Cyrus falou demais e foi alvo de muita falação. Graças a um punhado de vídeos sensuais, seleções ousadas de guarda-roupa e uma cômica apresentação erótica no MTV Video Music Awards, Cyrus, 21, percorreu em velocidade alucinante o caminho que leva de estrela infantil desorientada (na série "Hannah Montana", da Disney) à mais direcionada das estrelas pop, assumindo sem grande esforço o papel de "enfant terrible" do pop.
Seu álbum "Bangerz", cuja turnê ela iniciará em fevereiro, se destaca pelos riscos que assume, em um ano no qual os concorrentes da cantora optaram por uma frustrante suavidade.
Conversei com ela no hotel Four Seasons, em Nova York, após um fim de semana complicado para Miley, que tinha perdido um show em Boston devido ao mau tempo e depois tivera problemas de voz.
John Shearer/Invision/Associated Press
Miley Cyrus no palco do Nokia Theatre, em Los Angeles, na cerimônia do American Music Awards
Miley Cyrus no palco do Nokia Theatre, em Los Angeles, na cerimônia do American Music Awards
Mas mesmo de manhã bem cedo ela estava concentrada, atenta e muito consciente de si —e ainda brincou sobre pedir uma dose de Bailey s para acompanhar o café.
*
Pergunta - O que me impressionou em "Miley: The Movement", seu documentário para a MTV, foi o quanto você tinha consciência sobre a importância dos Video Music Awards (VMA).
Miley Cyrus - Mas eu não sabia que seria a única pessoa lá a forçar os limites como fiz. É até engraçado quanta gente viu minha interpretação e a entendeu como, sei lá, sexista e degradante para as mulheres, e até mesmo racista, algo que eu não consigo entender de jeito nenhum.
Fiquei pensando que não há como vencer: se uso dançarinas brancas, sou racista. Se uso dançarinas negras, também sou racista. Nós sabemos que não somos racistas e sei que não quero rebaixar as mulheres. As pessoas zombaram quando eu disse que sou feminista, mas sou. O que digo às mulheres é que elas podem ser tudo aquilo que quiserem.
O fato de que as pessoas tenham afirmado esse tipo de coisas sobre você no último ano mudou seu pensamento pessoal sobre raça?
Não, eu não permito que isso me mude. Nos tempos de juventude da minha avó, que ainda é viva, não se poderia imaginar, de maneira alguma, que um dia chegaríamos a ter um presidente negro. Quero dizer, nunca mesmo. E minha avó não tem nem 80 anos: estamos falando de um período muito curto para mudanças tão grandes.
Pensei muito nisso quando Nelson Mandela morreu, porque não conseguia nem imaginar viver uma vida como a dele e ver como tudo mudou.
Por isso estou esperando ansiosamente pela velhice, quando meus filhos perguntarão que diabos as pessoas queriam dizer ao perguntar sobre a cor das dançarinas que me acompanhavam.
Você obviamente sabe que a imagem visual dominante sobre você nos últimos seis meses é a do VMA ou a de seus vídeos.
Antes as pessoas achavam que eu era, tipo, um bebê, e agora as pessoas acham que sou, tipo, uma maníaca sexual, que passa o dia cheirando cocaína e usando ecstasy.
É como se ninguém nunca tivesse ouvido falar de rock. Quase todos os filmes trazem cenas de sexo, e as pessoas assistem e depois se justificam dizendo "bem, era o personagem". Posso dizer a mesma coisa. Na realidade, não me visto de urso de pelúcia e faço coreografias sacanas com Robin Thicke.
Ontem à noite, estava falando sobre os shows da Madonna e disse que em algum momento tudo se torna irrelevante. Ninguém mais se lembra de quando ela cantou "Like a Virgin" no VMA. Isso vira um padrão, todo mundo aceita que é isso que ela faz.
Por isso, o que sinto agora é que o que fiz no VMA se tornou o meu padrão e que sempre que faço algo diferente o pessoal pensa: "Opa, Miley está comportadinha hoje".
Você acompanha de perto o que as outras estrelas pop estão fazendo?
Assisto aos vídeos musicais de todo mundo, de um jeito quase obsessivo, prestando atenção às roupas que usam, ao que eles estão fazendo.
Quando eu ainda não tinha desenvolvido uma personalidade, era difícil para mim assistir a essas coisas. Eu tinha inveja do que os outros faziam, porque não podia ser eu mesma.
Mas agora percebo que eles também não estão sendo eles mesmos. Não é preciso ter contrato com o Disney Channel para ser rotulado. Às vezes me encontro com artistas e tiro fotos delas. Eles me pedem para apagar.
Você não está falando sério.
Estou. É insano. Peço para alguém, por exemplo, me mostrar os seios rapidinho, e a pessoa depois diz "você precisa apagar a foto!". Eu precisava fazer isso quanto tinha 14 ou 15 anos, mas mesmo então nem ligava.
Se alguém me filmava fumando um cachimbo, eu nem ligava, era engraçado para mim. Digo: "Cara, você tem, tipo, 30 anos. Por que não quer que vejam uma foto dos seus [seios]?"
Não tenho muitos amigos entre as celebridades, porque acho que algumas delas têm medo dessa associação.
Eu estava nos bastidores do show de Ariana Grande [uma estrela pop em ascensão] e disse "saia do camarim comigo e deixe que tirem nossa foto, isso será a melhor coisa que acontecerá com você, porque estar associada a mim a tornará menos docinha".
Entendi. Seria como abandonar os vestidos comportados.
Exatamente. Ela está tentando. Eu tenho visto que ela está usando roupas mais curtas. E ela me diz: "Isso me faz sentir como você". E eu respondo que um vestido como aquele era o que eu usava no baile da sexta série.
Acho que ela ainda está na TV paga, no canal Nickelodeon. Há pessoas que ela precisa respeitar.
Ela tem contratos.
E tem de responder aos superiores, exato. Apareceram coisas que aconteceram quando eu estava na Disney. Meus vídeos fumando maconha, por exemplo. Mas não era algo que eu estivesse fazendo contra a Disney.
Depois que deixei de ser empregada de alguém, achei que era hora de fazer o que era meu. Mas primeiro completei respeitosamente o que meu contrato previa, cara.
Você se incomodou quando Joe Jonas, integrante do Jonas Brothers, entregou você e Demi Lovato como responsáveis por ele começar a fumar maconha?
Se você quer fumar maconha, vai fumar maconha. Não há como duas menininhas convencerem alguém a fazer algo que a pessoa não quer fazer. Acho que talvez ele tenha dito o que disse para parecer malvadinho.
Mas o resultado foi o oposto.
Nós éramos tão novas que, ei, como é que alguém poderia sentir pressão social vinda de mim?
É verdade que você perdeu um contrato para fazer uma capa da "Vogue" por causa da apresentação no VMA?
Não posso falar muito a respeito. Mas era uma situação em que eu teria de trocar uma coisa pela outra, e não estava a fim. No momento, eu fazer capas para revistas como "Seventeen" ou "Teen Vogue" ou qualquer uma dessas não rolaria; meu jeito de falar não é algo que uma pessoa de 17 anos compreenda.
Kurt Cobain disse alguma coisa como "há um lugar especial no inferno para as pessoas que glamorizam as drogas", e não quero ser a pessoa que diz à molecada de 16 ou 17 anos que eles devem fumar maconha.
Tenho uma irmã mais nova. Não quero que ela fume maconha, e não é porque eu ache que maconha faz mal, mas... mas...
Quando ela tiver idade para escolher, certo?
Certo, ela fará a escolha. Ou, tipo, meu jeito de falar. Não sei como não falar do jeito que falo. Prefiro que tudo que faço seja 100% honesto. Quero ser quem eu sou.
Cada geração tem seu pânico moral; este ano, é você, e dentro de dois anos será outra pessoa.
Exato. Mesmo quando ouço isso, que dentro de dois anos outra pessoa assumirá o papel de provocadora, mal posso esperar para colaborar com quem quer que seja essa pessoa. Para mim, não importa quem seja, vou apanhar aquela onda.
Tradução de PAULO MIGLIACCI

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