Agência Brasil
Em 22 de dezembro de 1988, um tiro de espingarda disparado em Xapuri, no interior do Acre, ecoou por toda a Amazônia. Estirado no pátio de casa, assassinado a mando de fazendeiros, o seringueiro e sindicalista Francisco Alves Mendes Filho, conhecido como Chico Mendes, aos 44 anos, converteu-se em mártir da causa ambientalista, chamou a atenção do mundo inteiro para a proteção das florestas e promoveu o debate ecológico no Brasil.
Duas semanas antes, em entrevista ao jornalista Edilson Martins, Chico Mendes anunciou que estava sendo ameaçado de morte pelos irmãos Darly e Alvarinho Alves, da Fazenda Paraná. Contava, inclusive, com policiais militares que lhe faziam segurança 24 horas por dia. Mas tinha medo de que a proteção não seria suficiente. Estas foram suas últimas palavras na entrevista: "Se descesse um enviado dos céus e me garantisse que minha morte iria fortalecer nossa luta, até que valeria a pena. Mas a experiência nos ensina o contrário. Então eu quero viver. Ato público e enterro numeroso não salvarão a Amazônia".
No Jornal do Brasil, a matéria foi publicada três dias depois da morte do ativista. Pelo crime, Darly Alves da Silva, como mandante, e seu filho Darci, como executor, foram condenados a 19 anos de prisão. Em 1993, os dois fugiram da cadeia e só foram detidos três anos depois. Da pena, cumpriram seis anos em regime fechado. Então progrediram para o regime semiaberto e domiciliar.
De fato, o enterro de Chico Mendes não salvou a Amazônia. Porém sua morte, de forma trágica, fortaleceu a sua luta. Seus ideais ganharam manchetes, seu nome formou institutos de preservação da natureza, as políticas em prol do meio ambiente se fortaleceram, as Reservas Extrativistas se expandiram e as áreas de proteção ambiental se multiplicaram.
Na semana passada, o ativista foi reconhecido, por lei, como patrono nacional do meio ambiente. Em sessão solene na Câmara dos Deputados, sua filha, Ângela Mendes, apontou conquistas no Acre, onde 47% do território são reservas extrativistas, mas observou que ainda há muito o que fazer. "Meu pai nunca gostou de títulos. Por isso, eu ouso dizer, sem medo de errar, que o título de herói nacional e patrono do meio ambiente brasileiro só terá valor, de fato, quando não houver mais nenhuma morte por conflito de terra, quando não houver mais injustiças e ameaças contra aqueles que, de fato, defendem o meio ambiente", afirmou.
Foi justamente para defender o meio ambiente e os direitos dos seringueiros que Chico Mendes aprendeu a ler, aos 20 anos. Nascido em 15 de dezembro de 1944, em Xapuri, trabalhou desde criança no seringal Porto, com seu pai. Aprendeu desde cedo as injustiças que eram cometidas contra os trabalhadores da floresta – e contra a própria floresta. A partir de 1973, passou a se envolver em conflitos de terras com fazendeiros. Dois anos depois, criou o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Brasiléia. Então ganhou mais destaque ao promover os "empates", manifestações pacíficas de seringueiros que protegiam as árvores com o próprio corpo. Em 1977, fundou o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Xapuri e foi eleito vereador na Câmara Municipal. Um ano depois, recebeu sua primeira ameaça de morte. Em 1980, foi um dos fundadores do Partido dos Trabalhadores no Acre.
Com aumento da repercussão internacional a respeito da situação da Amazônia e dos seringais, representantes da Organização das Nações Unidas visitaram Xapuri em 1987. Lá presenciaram a devastação da floresta e a expulsão dos seringueiros provocadas por projetos financiados por bancos estrangeiros. Mendes chegou a levar as denúncias ao senado americano, sem falar uma palavra em inglês. E obteve êxito: os financiamentos foram suspensos. Assim, o ativista enfrentou outro problema: foi acusado de prejudicar o progresso do Acre, especialmente por fazendeiros e políticos da região. No ano de sua morte, ganhou o prêmio Global 500, oferecido pela ONU.
Desmatamento
Desde 1988, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais analisa e apresenta as taxas anuais do desflorestamento da Amazônia Legal. Naquele ano, 21.050 km2 de florestas foram devastadas. Em 25 anos, o desmatamento anual foi reduzido em mais de 70%. Em 2013, a destruição ficou em 5.843 km2, a segunda menor taxa da história, atrás de 2012.
De acordo com Danicley Saraiva de Aguiar, coordenador da Campanha da Amazônia do Greenpeace, a criação de gado segue como um dos maiores vetores de desmatamento. "Basta uma análise mais cuidadosa para percebermos que os rebanhos bovinos na região aumentaram nas últimas décadas, a taxas mais altas do que no resto do país. Mesmo que localizadamente, o cultivo de grãos continua sendo uma ameaça considerável, e com um forte potencial de destruição", explica.
Para o Greenpeace, que atua na proteção das florestas da região amazônica e se inspira nos ideais de Chico Mendes, essa melhora no índice não é suficiente. "Zerar o desmatamento da Amazônia deveria estar entre os interesses estratégicos do Brasil, pois lideramos um seleto grupo de países que dominam as maiores riquezas naturais do mundo e que, em vez de utilizá-las com sabedoria para gerar um ciclo sustentável de riqueza, ainda se utiliza de um modelo de desenvolvimento ecocida. O Desmatamento Zero está na essência de qualquer estratégia na qual a floresta é um ativo, e não um obstáculo", acredita Aguiar.
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