segunda-feira, 25 de abril de 2011

Direitos Penal em apuros : A Neurociência bate em sua porta

Elas vêm assim; primeiro,insinuando-se, depois tomando espaços e, ao final, convencendo como se fossem verdadesincontestáveis. As mudanças são o que nos certificam da condição inexorável deseres condenados à intermitência.



Aos poucos, porém perceptivelmente,nos subterrâneos das estruturas fundamentais da Ciência do Direito, levestremores prenunciam um grande terremoto capaz de abrir sulcos profundos nascategorias tradicionais do Direito Penal clássico.



Há percepções que, por força dotempo, se petrificam na inteligência dos povos e se tornam dogmas. Uma delas éo que se convencionou chamar de livre-arbítrio, categoria que, embora revolvidapor críticas consistentes ao longo de séculos, jamais deixou de ocupar o postodas concepções prioritárias da Filosofia e, via de conseqüência, do Direito.



Pois é justamente sobre o pórtico desua dogmática conceituação que recai o peso – para alguns insuportável – doavanço da Neurociência, cobrindo com nuvens cada vez mais espessas a outroraclara, quase transparente, noção de livre-arbítrio.



Para se dimensionar o tamanho doestrago, basta entender que toda a justificação da imposição de uma penacriminal está fundamentada no livre-arbítrio, elemento central daculpabilidade. Se o que está se insinuando com a tecnologia da neurociência, defato, se confirmar, todo o edifício teórico das ciências penais estará sustentadaem areia movediça.



A neurociência entra em campo erevela que o conceito de livre-arbítrio – liberdade absoluta de determinação ede escolha – não se mostra adequado para explicar e tampouco fundamentarisoladamente a punição de quem desrespeita uma norma. Na linha de seu cursorreflexivo, os estudos indicam que as ações transgressoras (violentas ou não)podem resultar de uma disposição mental biológica, química e fisicamentepré-estruturada na anatomia do cérebro recrudescida pelo fator ambiental.



Na mesma linha, pesquisas realizadaspelo Centro de Excelência para o Desenvolvimento da Primeira Infância, daUniversidade de Montreal no Canadá, sob a coordenação do Professor RichardTrembley, revelam dados precisos de que, ao contrário do que se pensava, não éna pré-adolescência ou na adolescência que se formam e se reúnem os elementosque compõem a personalidade que, na fase adulta, se consolidará como referênciade uma identidade própria, mas bem antes, até mesmo na vida intrauterina prolongando-se aos quatro anos de vida.



Os mapeamentos que investigam asregiões do cérebro instigadas pelas reações comportamentais e sensoriaisrevelam que no córtex pré-frontal situa-se o campo de batalha eletroquímico ehormonal entre impulsos e freios que ditam predisposições e tendências nascondutas humanas. Chega-se a afirmar que o ato de sacudir ou balançar os bebêspode acarretar distúrbios de comportamento na medida em que lesiona a região docórtex pré-frontal, chocando-a com a estrutura dura do crânio.





Impressiona também a afirmação decientistas de que o tabagismo na fase gestacional é fator determinante para odesequilíbrio da relação eletroquímica no cérebro da criança, o que pode,indiscutivelmente, suscetibilizá-la a comportamentos desviantes e agressivos emsua fase adulta na medida em que predisposta quimicamente a secretar quantidadeinsuficiente de hormônio que contribui para frear e censurar os impulsosagressivos anti-sociais.



Observa-se que não é apenas oprenúncio de uma reviravolta copernicana no Direito Penal que nos leva acompartilhar a percepção de espanto e perplexidade, mas as consequências destaspremissas. É inescapável a necessidade de questionamentos derivados destamudança de concepção.



Indaga-se: o deslocamento dacategoria do livre-arbítrio do centro das elucubrações jurídico-penais deverámitigar ou isentar de pena os que, à luz da Neurociência, forem analisados ediagnosticados como portadores de disfunção na relação eletroquímica e hormonalno cérebro? Na hipótese de se constatar que o agente sofre de grave deficiênciade hormônio responsável pelo contra-impulso censor, a pena de prisão seria umalegítima resposta estatal e estaria compatível com o princípio da dignidade dapessoa humana? A contribuição da Neurociência para as ciências penais poderiatransformar o Direito Penal em um saber mais plural, transdisciplinar ehumanista ou provocaria uma arrogante medicalização de uma ciênciaclassicamente concebida como social e jurídica? De que forma se poderiaalcançar a legitimação do direito de punir com o impacto da Neurociência noconceito de livre-arbítrio? Seria razoável pressupor como condição de punir queo agente, no momento do fato, esteja no gozo de uma “saúde cerebral”,reservando-se aos que dela não desfrutem as medidas de segurança?



É fato que o impacto real daNeurociência sobre o Direito Penal ainda não se fez sentir em toda a suaextensão. O momento é de perplexidade e amadurecimento reflexivo até porque seimpõe apurar o grau e a extensão da eficácia do meio social como contraponto aodeterminismo biológico, porém insistir na absolutização do livre-arbítrio comofundamento central de um saber que se mostra crescentemente incapaz de seautolegitimar é um erro crasso. O livre-arbítrio não se coaduna com a noçãofisicalista de um cérebro quimicamente predisposto à agressão. Se o fisicalismocerebral formata o campo dentro do qual a mente se realiza - como sustentamalguns neurocientistas - o Direito Penal clássico não terá mais suficiênciaracional para existir.



Entretanto, várias cogitaçõesevidenciam a precariedade do terreno sobre o qual a comunidade científica,inclusive os criminólogos, dão os primeiros passos em busca do conhecimento dasconsequências do impacto da Neurociência nas ciências jurídicas e, em especial,no Direito Penal. A discussão terá necessariamente uma extensão enciclopédica etransdisciplinar, abrindo-se a vários saberes especializados, mas,ironicamente, já comporta um paradoxo: o enorme avanço da moderna tecnologiadas ciências médicas está nos devolvendo aos braços da boa e velha Filosofia,afinal só ela será capaz de iluminar racionalmente a grande interrogação dacondição humana: o que é ser livre em um corpo formado por relações imutáveis,previsíveis e determinadas?



FábioTrad

DeputadoFederal

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