quarta-feira, 13 de maio de 2009

'Import Export' cria polêmica com ficção e documentário

A miséria parece estar tanto no bolso quanto na alma dos personagens do drama Import Export, que estréia em São Paulo, na sexta-feira. À margem da sociedade, eles buscam uma vida melhor e essa ambição os transforma - não necessariamente em pessoas melhores.

O diretor austríaco Ulrich Seidl já havia mostrado em um de seus filmes anteriores, Dias de Cão (2001), a mesma opção por retratar situações limítrofes sem maquiagem.

Com roteiro assinado pelo diretor e Veronika Franz, Import Export parte de um conceito simples: o "intercâmbio" entre dois jovens, uma ucraniana e um austríaco, que saem de seus países e acabam no país do outro.

Ela é Olga (Ekateryna Rak), mãe solteira que trabalha como enfermeira e abandona a gélida Ucrânia em busca de uma vida melhor. O rapaz é Pauli (Paul Hofmann), austríaco que vive com a mãe e o padrasto, sem conseguir se manter em qualquer emprego.

Antes de imigrar, Olga tenta trabalhar num serviço da Internet no qual moças se exibem em posições praticamente ginecológicas em troca de dinheiro. Mas ela percebe que na Ucrânia não conseguirá sobreviver. Na Áustria, as condições são um pouco melhores, mas ainda assim bem precárias. Ela consegue emprego apenas como doméstica e, em um deles, tem de enfrentar uma patroa mesquinha.

Pauli, apesar de viver num país melhor do que Olga, também não tem muitas oportunidades na vida. Ele trabalha como segurança até o momento em que é atacado por uma gangue de jovens. É demitido e vê suas dívidas aumentarem a cada dia.

Para não ficar sem dinheiro, passa a trabalhar com o padrasto, transportando maquinas de jogos eletrônicos por vários países da Europa Oriental, incluindo a Ucrânia de Olga.

O que Seidl parece querer dizer com essas histórias paralelas é que a juventude não deve ter mais esperanças - seja ela de países ricos ou pobres. A jornada de cada um dos protagonistas termina onde começou a do outro. E, embora tracem rotas diferentes, os caminhos são repletos de melancolia, desolação e desesperança.

Não bastassem os jovens perdidos num limbo existencial, o diretor, na última parte do filme, combina momentos documentais com ficção, buscando um realismo extremo. Essas cenas geraram polêmica no Festival de Cannes, onde o filme foi visto em 2007.

No último ato de Import Export, Olga consegue emprego como faxineira num hospital-asilo em Viena. Na tela já não há atores representando personagens, mas pessoas reais debilitadas física e mentalmente, retratadas num momento extremo de suas vidas.

Muito se questionou o diretor se era válido o retrato que ele fez, se não estava rompendo a linha tênue da ética ao expor essas pessoas em momentos tão delicados. Seidl quer sacudir seu público e fazer denúncias, como a da exploração da mulher (no caso do site em que Olga tenta trabalhar) e dos maus tratos contra os idosos.

Se a exposição de tais situações é uma estratégia válida, dependerá muito da reação que o filme conseguir causar em cada expectador. É uma discussão bastante parecida com a suscitada no Brasil quando Marcos Prado fez o documentário Estamira (2004), sobre uma catadora de lixo com distúrbios mentais.

Import Export é, afinal, um filme sobre o mundo em que vivemos, sobre o nosso tempo e, certamente, consegue se comunicar com o público contemporâneo. Mas, em momento algum, busca catarse ou afago; ao contrário, foi calculado para incomodar, talvez até em demasia.

Reuters

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