sábado, 30 de maio de 2009

'Garapa', de Padilha, chega aos cinemas do País

'Garapa', de Padilha, chega aos cinemas do País
Divulgação
Cena do filme
Qualquer prato de comida, por mais light que seja, parecerá indigesto após a sessão do documentário Garapa, de José Padilha.


À mesa, não se senta a família do comercial de margarina, mas representantes de 11,5 milhões de pessoas que vivem em situação de insegurança alimentar no país, segundo dados do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase).

Em preto e branco, o filme de Padilha (Ônibus 174 e Tropa de Elite) registra o cotidiano vazio de três famílias do Ceará, que aplacam a fome de seus filhos com a garapa do título, composto de água e açúcar servido às crianças para substituir o leite praticamente inexistente.

Sem trilha sonora, com câmera na mão e lentes fixas, Garapa quer que o espectador olhe de perto as estatísticas já conhecidas, durante longos e angustiantes 110 minutos.

É parte desse jogo, então, a transmissão de informações sobre mortalidade infantil e a apresentação de imagens recorrentes de crianças cobertas por moscas.

Padilha começa o filme como fez Nelson Pereira dos Santos em Vidas Secas (1963). Só que, aqui, os passos decididos do protagonista Fabiano e sua gente são substituídos pelo caminhar automático de mães, que peregrinam até o povoado mais próximo em busca de comida.

A cena documental ganha moldes de ficção graças a montagem de Felipe Lacerda (Ônibus 174, Entreatos e Se Eu Fosse Você) que, paralelamente, contrapõe a caminhada das mulheres à espera das crianças em casa.

O longa foi filmado em 2005, mas só agora chega aos cinemas. A produção foi interrompida depois que o diretor recebeu o convite para realizar Tropa de Elite (2007), vencedor do Urso de Ouro no Festival de Berlim. Mas o tempo ajudou Padilha que adquiriu agora maior visibilidade para levantar a bandeira contra a fome no Brasil e no mundo.

Garapa também tem sido visto como arma para pleitear a aprovação de um Projeto de Emenda Constitucional para transformar a alimentação em direito garantido pela Constituição.

Pela boca de personagens subnutridos, projetos como o Bolsa Família e o Fome Zero, são legitimados embora considerados insuficientes. A solução, no entanto, parece distante já que essas pessoas estão longe de se inserirem no contexto econômico de mercado, uma vez que não consomem nem o básico.

Em Garapa, o ser humano não tem autoestima, não tem sonhos e aceita, resignado, sua condição frente à vida e debita a conta à vontade de Deus. A questão é que Padilha aponta a câmera não para indivíduos, mas para um grupo de desvalidos, coeso e uniforme, que desperta a mesma compaixão que um animal maltratado.

Por mais que se tente, não se consegue enxergar as pessoas, e o material humano é mero objeto quando o que importa mesmo é o tema. Mas é mérito do filme nos fazer corar de vergonha diante do desperdício e da banalização do consumo de alimentos nos restaurantes da vida.

Reuters

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